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20 de abril de 2017
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10:00

Previdência: Se não é direito de todos, é privilégio de alguns!

Por
Sul 21
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Mauri Cruz1

Esta frase me veio a mente quando estávamos discutindo um lema para o recém criado Instituto de Direitos Humanos, Econômicos e Sociais, nosso IDhES. E o raciocínio é simples mesmo. E numa sociedade dividida em classes, como a brasileira, esta afirmação ganha um sentido bem mais concreto. É sabido que desde a invasão destas terras pelos portugueses que os povos indígenas tiveram seus direitos violados. Não podiam mais nada. Nem ter e nem ser. Que pese a Constituição Cidadã de 1988 ter reconhecido os direitos dos povos indígenas sobre seus próprios territórios, até hoje, passados quase trinta anos, as terras não foram demarcadas, os invasores brancos continuam explorando, desmatando as matas e matando os índios ou quem com eles lutam.

Da mesma forma é a situação das populações de matriz africana, sabidamente os descendentes dos povos Jejê, Iorubá e Bantu. Trazidos à força e escravizados pelos brancos por três séculos, até os dias de hoje não tem os seus direitos reconhecidos e respeitados. E a simples tentativa de construção de algumas políticas públicas que visam a reparação dos crimes históricos do país contra estes povos, como a política de cotas nas universidades, provocaram reações das elites brasileiras. As elites não querem perder seus privilégios. Mas não dá para construir um país mais justo e igualitário sem mexer nesta criminosa divisão social. Aí é que a coisa complica.

Mas quem são essas elites que não querem mudar o Brasil? Para responder a esta pergunta precisamos nos recorrer ao trabalho e reflexões do sociólogo polonês Wesolowski (1966) que diferencia elites das classes dominantes. De um modo geral informa que a elite é a representante das classes dominantes, podendo ou não, ser parte dela. Seja nas áreas de controle político, econômico ou mesmo da academia e da cultura, a elite é quem gerencia os interesses das classes dominantes. Isto significa que pode haver uma alteração nas elites sem que haja uma significativa alteração na própria classes. O Brasil, por exemplo, já teve uma elite essencialmente composta pelos grandes latifundiários que, num certo tempo, perderam espaço para os grandes industriais que, neste último período, são dominados pelas elites dos sistemas financeiros.

Foto: EBC

Sob a reflexão de Wesolowski até dá para tentar compreender as disputas que estão ocorrendo no campo da centro-direita no Brasil. Há uma evidente mudança nas elites onde surge, ou tenta surgir, uma elite burocrática e que tem seu poder no próprio aparelho do estado. Mas há uma forma mais simples de reconhecer quem é a elite em uma determinada sociedade. Até a literatura dos contos de fadas pode nos dar uma pista. Segundo ela, basta olhar onde estão os maiores e melhores castelos. E, não é que é mesmo? Os últimos tempos os novos prédios luxuosos e que ostentam poder não são das associações comerciais, das industrias ou do agronegócio. Os castelos tem sido do Poder Judiciário, a nova elite rica de nosso país.

E a prova vem do debate mais quente do momento, a reforma da previdência e, para isso, não precisamos de nenhum estudo aprofundado. Basta acompanharmos com certa atenção os números e justificativas que os próprios golpistas que estão no poder apresentam à sociedade.

Segundo matéria no Jornal da Band, as despesas com a previdência do setor privado está na ordem de R$ 550 bilhões anuais para um total de 29 milhões de aposentadas e aposentados. Isto representa uma média de aposentadoria entorno de R$ 1.600,00 mensais. Por outro lado, a despesas com a previdência do setor público está na ordem de R$ 115 bilhões anuais para algo entorno de hum milhão de aposentadas e aposentados o que dá uma média de R$ 9.000,00 de aposentadoria mensal. Mas, internamente no próprio setor público há setores privilegiados, já que, a média de aposentadorias no Poder Legislativo é de R$ 25.000,00, no Poder Judiciário sobe para R$ 28.000,00 e no MP a média chega a R$ 30.000,00 mensais, a mais alta entre as aposentadorias do setor público.

Daí pode-se identificar quem realmente são as elites brasileiras e porque a população identifica no próprio estado a causa de seus problemas. Como dito por um dos comentaristas nesta reportagem do Jornal da Band, nos últimos 15 anos o déficit da previdência do setor público foi de 1 trilhão e 300 bilhões de reais para atender aos direitos de 1 milhão de brasileiros. Já o déficit da previdência do setor privado neste mesmo período foi de R$ 450 bilhões de reais para atender aos direitos de cerca de 30 milhões de brasileiros. Só para se ter uma ideia, o Bolsa Família repassou, no mesmo período, R$ 280 bilhões de reais para 30 milhões de pessoas. Ora, pode-se afirmar, portanto, que o regime da previdência do setor público é o maior programa de transferência de renda do país. Pior, de transferência dos pobres para as elites.

Daí todo o sentido a fala do Presidente da CUT/RS, o companheiro Claudir Nespolo nos atos contra a reforma da previdência quando afirma que o Brasil tem uma elite burra, covarde e preguiçosa. Por isso, esta reforma da previdência não pode ser aprovada. Mas isso não significa que não devem ocorrer mudanças. Devemos ter sim, mudanças profundas neste país, que iniciam com o restabelecimento da democracia, passando pela taxação das grandes fortunas, pela aplicação do principio constitucional da função social da propriedade, pelas medidas que garantam o direito à vida, não só da elite branca, mas de todas e todos as brasileiras e brasileiros.

O Brasil e o mundo vivem um momento crítico, de profunda crise. E, neste momento, parece que tudo vai sucumbir. Mas é do caos que também pode nascer o novo. Basta estarmos agarrados aos nossos valores e princípios. Tem gente que se acha esperta, que acredita que controla a dinâmica da vida. Mas no fundo, o que nos governa é o ocaso. Bora lá, porque enquanto não for direito de todos a gente não vai parar de lutar.

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1 Advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e mobilidade urbana. É colunista do Jornal Sul21.


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