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9 de abril de 2016
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10:00

Para o dia depois da vitória!

Por
Sul 21
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Para o dia depois da vitória!
Para o dia depois da vitória!

6104519274_ee442e5df3_bPor Mauri Cruz

Não sou daqueles que acha que o golpe está dado e não há mais o que ser feito. Aliás, esta postura, estranhamente, tem sido mais comum dentre membros do próprio Governo Dilma e de dirigentes do PT. A postura derrotista de que o golpe é inevitável, culpando, em várias situação, a própria Presidenta Dilma por este trágico desfecho. Nunca pensei assim. Nem que o golpe é inevitável, nem mesmo que a culpa é da companheira Dilma.

O que sei é que são visíveis dois projetos de liderança em disputa. No campo popular, sabemos todos, das qualidades e dos limites de cada militante. Lula, por exemplo, é um líder inconteste, formado na luta sindical e por isso é mestre nas negociações e acordos. Nada a estranhar para uma liderança forjada na luta de classes brasileira moldada pelos mecanismos da CLT, que promove, anualmente, as negociações coletivas sob os olhares e a mediações do próprio estado. Nestas lutas, aprende-se a enfrentar os patrões através de greves, piquetes, campanhas salarias de massas e, ao final, aprende-se também a fechar acordos com os adversários de classe para garantir conquistas para a categoria. Assim é Lula e boa parte do movimento sindical brasileiro, capazes de grandes conquistas, da ampliação e direitos, do empoderamento da classe trabalhadora. Mas, também, acostumados a compor acordos com o capital, garantindo governabilidade, acumulando forças, passo a passo, dia-a-dia. A luta sindical brasileira é fundamental para a ampliação de direitos, mas tem dificuldades de liderar rupturas.

Já Dilma, é de outra estirpe. Nasceu e foi forjada na luta estudantil dos anos 60, participou da luta armada, foi presa, viveu o inferno da tortura, viu a morte de perto, perdeu pessoas queridas. Nunca esmoreceu. Mas é de outra tradição política chamada trabalhismo de Getúlio Vargas, Jango e Brizola. Nesta escola, é o estado e sua liderança quem detém a capacidade das mudanças sociais. É o líder que encarna e representa o povo. A este, cabe o papel de beneficiário do estado, nunca um protagonista.

Do outro lado, é claro, temos a já conhecida elite brasileira, mesquinha, pequena, que não tem projeto político próprio, não ousa desafiar ou igualar-se as elites dos países hegemônicos. Contenta-se com o papel subalterno, subserviente no cenário internacional. Por isso, tem como programa máximo, alinhar o Brasil aos moldes do que deseja o imperialismo americano.

Estas duas forças, cada uma com sua visão e dinâmica, representam uma parte significativa do Brasil. Mas não tem mais a capacidade de representar o país que surgiu da abertura política, que se descortinou após 30 anos de vida democrática, que vem se formando como resultado da inclusão social promovida pelos Governo Lula e Dilma.

Os limites são evidentes.

Num país profundamente desigual, a mediação e alianças de classes tem seus limites. Não se avança muito além dos primeiros passos, porque para ampliar direitos é preciso mexer em privilégios. Daí que o equilíbrio resultado dos acordos não se sustenta por muito tempo. Da mesma forma, num país continental, com amplos movimentos e organizações sociais, com capacidade de mobilização, com acesso quase que instantâneo as informações, não há espaço para um governo que não promova uma dinâmica de escuta permanente ou que tenha uma postura de impor as pautas de cima para baixo, sem um amplo e permanente processo de diálogo. Um governo assim não funciona, não se sustenta por muito tempo.

Da mesma forma, um projeto subserviente, que não tem a capacidade de motivar milhões de corações e mentes rumo a uma vida melhor, apenas focado no interesse mesquinho e imediato de uma elite com pobreza de espírito, não tem a capacidade de ir muito além da primeira esquina.

É preciso que tenhamos consciência. A crise econômica, o impeachment, o ódio social, a violência, o crescimento do crime organizado, a desestruturação da capacidade do estado brasileiro em se fazer presente no cotidiano das pessoas ou a falta de perspectivas, não são a causa de nossos dilemas. Mas sua consequência. A causa é a falta de um projeto para o Brasil. Um país rico, com um povo trabalhador, solidário, alegre e otimista. Mas sem utopia.

Nos primeiros anos do Governo Lula tivemos uma pequena amostra do que somos capazes. Mas o projeto implementado era de tiro curto. Vislumbrava apenas alguns anos. Por sua postura de negociador, não se propôs a rupturas. E, sem rupturas, não há avanços. Nosso problema é ousar pensar que somos capazes de mudar a história deste país. De construir um Brasil para todas e todos. Sabemos que não somos um país de corruptos. Sabemos que não somos um país de vagabundos. Sabemos que não somos um país de pessoas violentas ou desumanas, sabemos que não temos ódio no coração. É sim possível construir um Brasil para todas e todos.

Mas para isso, é preciso radicalizar.

Radicalizar na democracia, nas formas de participação e decisão sobre o uso do dinheiro público. Radicalizar na forma de pensar a reestruturação do aparelho do estado cujas estruturas são responsáveis pela manutenção das desigualdades sociais. Radicalizar na reestruturação de nosso modelo econômico que hoje é insustentável ambientalmente e subordinado ao grande capital do ponto de vista de projeto econômico. Radicalizar nas formas de reestruturar e organizar as políticas sociais para que sejam capazes de alterar a estrutura de desigualdade em que vivemos. Esta radicalização passa, sim, pelas reformas estruturais, da política urbana, da política agrária, da política tributária, das estruturas elitistas do sistema judiciário e do monopólio dos meios de comunicações.

Nosso problema não é só evitar, ou não, o impeachment da Presidenta Dilma. É, após o desfecho deste round sermos capazes de reconstruir nossa utopia e darmos um passo adiante.

E, com toda a sinceridade, eu vejo Lula e Dilma ao nosso lado nesta nova caminhada, mas não os vejo nos liderando. As lideranças deste novo tempo, deste novo ciclo histórico, estão se formado nas lutas do dia-a-dia, pela defesa do estado democrático de direito, na luta contra as políticas do próprio Governo Federal que desrespeita direitos básicos, e também na luta para manter as conquistas que foram alcançadas nos últimos 13 anos por termos eleito um Governo comprometido com a inclusão social.

É inequívoco que a direita se rearticulou, no Brasil e no Continente Latino-Americano e está numa nova ofensiva de enfrentamento através de novas trincheiras que são o poder judiciário, o parlamento burguês e, como sempre, com o apoio da mídia corporativa.

Mas, também é inequívoco, que o campo democrático e popular acumulou forças no Brasil e na América Latina, vivenciou e permitiu que seu povo vivenciasse um breve momento de uma aurora democrática e popular, que representou a melhoria das condições de vida, aumentando a autoestima e apontando a possibilidade real de outro mundo possível. É preciso construir o dia depois da vitória, seja qual for. Porque vencendo ou perdendo, temos grandes tarefas no próximo período histórico. A luta continua. E podemos vencer.

.oOo.

Mauri Cruz é advogado socioambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e Mobilidade urbana, diretor da Associação Brasileira de ONGs – Abong.


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