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22 de março de 2016
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10:06

Nada será como antes

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Nada será como antes
Nada será como antes

Por Mauri Cruz1

Não faz muito, escrevi neste espaço que estávamos vivendo o fim de um ciclo. Identifiquei este ciclo, como aquele denominado de Nova República e que teve como marco inicial, ou estopim histórico, as greves do ABC de 1978 tendo como seu líder, o metalúrgico, Luís Inácio Lula da Silva. A era da Nova República é muito mais do que isso, por óbvio. Em 1979 inicia-se a abertura política com o fim do bipartidarismo, nos anos seguintes, nascem o PT, PSDB, a disputa pelo legado histórico entre PTB que resulta no PDT de Brizola, PMDB e os demais partidos.

Também abre-se uma onda de processos democráticos, com a promulgação da Constituição de 1988 e todas as leis complementares representadas pela criação da obrigação de concurso para suprimento de cargos públicos, Sistema Único de Saúde, a Lei de Diretrizes Básicas da Educação, a Lei das Licitações, o Estatuto das Cidades, a Lei da Responsabilidade Fiscal, o novo Código Brasileiro de Trânsito, a Lei das Pequenas e Médias Empresas, os estatutos do Idoso, da Juventude, na Igualdade Racial, a Lei da Mobilidade, dentre outras mudanças legais. Foram pouco mais de trinta anos de uma brisa democrática cuja hegemonia oscilou entre três governos socialdemocratas, do meu ponto de vista, entreguistas ao projeto neoliberal, e governos neodesenvolvimentistas com inclusão social, liderados pela esquerda democrática.

Sabido está que, nestes pouco mais de trinta anos, FHC privatizou boa parte das empresas brasileiras e não buscou alavancar um projeto nacional de desenvolvimento, subordinando nossa economia aos projetos do capitalismo internacional. Por outro lado, Lula e Dilma, não promoveram mudanças estruturais no sentido de alterar os mecanismos econômicos, tributários, sociais e políticos que mantém a profunda divisão social brasileira responsável por um dos maiores níveis de desigualdade do mundo. Apesar disso, neste período houve um investimento acelerado e concentrado em ampliar o poder econômico e social de amplas camadas sociais antes desfavorecidas porque eram consideradas cidadãs de segunda classe. Este processo, elevou o nível de autoestima de uma massiva classe social que não tinha nem voz e nem vez. A juventude negra de periferia, por exemplo, não se contenta mais com as migalhas que antes eram destinadas aos negros brasileiros pelo sistema concentrador de renda e exigem ter e manter um lugar ao sol. Há novos protagonismos sociais.

Por outro lado, talvez desapercebidamente, houve algumas mudanças sociais que, talvez, não tenham sido nem previstas e nem planejadas. Uma delas, a foi a consolidação de uma casta de servidores públicos com ânsia de sequestrar o poder político dos eleitos, embarcaram na cantilena da criminalização da política. No embalo da criminalização da política, funções públicas que exercem caráter de poder, foram sendo controladas e dominadas por esta burocracia estatal, sem voto. Longe de promover maior democracia e a garantia do interesse público e social, esta mudança, revelou uma ânsia de poder e de promoção ou manutenção de privilégios. Este processo empoderou uma elite branca, moralista, que tem a ilusão de que ascendeu socialmente exclusivamente por seus próprios méritos.

Esta visão, que pretende manter as estruturas que garantem a divisão social e a profunda desigualdade, aparentemente, encontrou seu líder e idealista num juiz que se declara apolítico e que entrou na vida pública se como agente de uma limpeza moral, enfrentando políticos de alto escalão e grandes empresários. Nega representar um partido ou um projeto, se colocando como síntese da própria nação, imaginando que encarna, em si, o interesse do povo brasileiro.

Frente a essa postura, é que tantos cientistas sociais, filósofos e militantes políticos enxergam em sua postura e conduta, um viés, fascista. Modelo que nega a existência do outro, e portanto, da possibilidade de uma opinião contrária. Não reconhece a diversidade da sociedade moderna e pretende unificar o pensamento de um povo em apenas uma visão. Nesta ideologia, a fascista, não carece de democracia, porque predomina o pensamento único. Só que este movimento, encontra do outro lado, o resultado de mais de uma década de empoderamento social das camadas populares que, embora não tenham sido beneficiadas por mudanças estruturais, obtiveram conquistas significativas pela execução de vários propostas históricas do campo popular.

O conflito é inevitável.

Por um lado, setores com alto poder aquisitivo e detendo espaço nos espaços de poder estatal e de outro uma ampla parcela da população brasileira que não quer abrir mãos de seus direitos.

A tarefa dos democratas, reconhecendo que a sociedade está dividida, é lutar para que os conflitos sigam sendo resolvidos dentro da arena democrática. Para que não hajam retrocessos, a saída tem que ser com mais democracia. Só a ampliação das formas e mecanismos democráticos tem a capacidade de processar estes conflitos, superando a dicotomia de projetos e interesses. Saídas autoritárias, parte a parte, serão transitórias e com profundos custos humanos e sociais para todos os lados.

A ameaça anti democrática está em curso. A tarefa urgente é barrar a tentativa de golpe e ampliar o debate sobre o futuro do país em todos os espaços coletivos que tenhamos acesso. A luta será longa e, infelizmente, a mídia corporativa entendeu melhor os ensinamentos de Gramsci sobre a guerra de posições do que a própria esquerda brasileira.

.oOo.

1 advogado socioambiental, membro da diretoria executiva da Abong, professor de pós graduação em direito.


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