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2 de fevereiro de 2016
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09:04

O mistério que interessa

Por
Sul 21
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Por Marcelo Carneiro da Cunha

Aqui na Mansão Carneiro da Cunha, estimados sulvinteumenses, bocejamos para os mistérios de Fátima, para os segredos da Cabala, ou quando alguém vem sussurrar a verdade sobre quem matou Kennedy ou o PC Farias. O que gostaríamos de saber, desde sempre é, tão simplesmente isso: quanto custa operar um ônibus afinal?

Enquanto nos falamos, o Movimento Passe Livre está atravancando alguma avenida do centro de São Paulo por uma causa ou outra, dessas que nem sei se vale a pena gastar tempo e energia compreendendo. Fora botar pra quebrar quando veem agência do Itaú pela frente, a pauta, em si, não me parece muito compreensível. Passe Livre seria transporte de graça pra todo mundo? Pra todo lugar? Queimando diesel numa boa, porque sim? Pessoas sem nenhum estímulo para economizar energia porque o transporte, ora vejam, sai de grátis?

Se os americanos estão certos, “there is no free lunch”. Não há almoço grátis, caros leitores. Quando sai de graça é porque alguém pagou a nossa conta, ou porque a comida já estava pra lá de bagdá, ou sabe-se lá por que. Porque de graça, nada, nunca, fora o ar que respiramos porque ninguém precisa preparar, encanar, transportar, purificar, congelar, cozinhar, cortar, e nos entregar.

Por que o transporte deveria ser gratuito é algo que me foge. Ele já é subsidiado, e em boa parte porque interessa a uma sociedade que seus alunos vão até a escola e seus trabalhadores vão até o trabalho. Não é um ato de bondade, mas de auto-preservação. Grátis significaria todo mundo pagando para que quem quer andar de graça ande. Qual o sentido disso?

Outro mal associado a essa ideia é a do desperdício. O mundo não precisa que a gente vá pra todo lado. O mundo precisa que a gente vá o mínimo, quanto menos, melhor. Além disso, transporte grátis quer dizer, necessariamente, ainda menos estímulo à eficiência do que se tem hoje. Imaginem dono de ônibus sendo pago para levar todo mundo pra toda parte. Ou uma empresa estatal com verbas infinitas pra fazer a mesma coisa. Uma das razões para as coisas custarem algo é a gente pensar antes de comprar ou usar. Aí está um baita fator de eficiência.

Enfim. Como dizia, antes dessa digressão, o mistério que me acorda no meio das noites insones é o do custo real do nosso transporte público. A impressão que se tem daqui de minha janela, é a de que ninguém sabe. Ninguém. Ninguém. Nem mesmo os donos das empresa de ônibus sabem, eu acho. Porque essas empresas me parecem todas exemplos do capitalismo do século 19, e se movem por inércia e contratos pra lá de nublados. Qual empresa dura desde sempre e pra sempre? Aquela que tem uma concessão pública de um monopólio, não é mesmo? Portanto, desde que o serviço contratado junto a ela custe alguma coisa menos do que o custo da passagem, djoia. São milhões de passageiros/ano. Alguns centavos ao menos que sobrem por passageiro já garantem a casa da praia do nosso nobre proprietário de uma dessas empresas horrorosas e que prestam um serviço idem.

Treisoitenta (aqui em SP ao menos) por uma passagem de ônibus me parece caro pacas. A passagem tem tanta gordura no seu preço que as empresas mantém um sujeito dentro do ônibus sem fazer coisa alguma. Um cobrador é um dos últimos vestígios das profissões de antes da revolução tecnológica criar o elevador automático e acabar com o ascensorista. Eu não tenho nada contra cobradores, mas eles não deveriam estar ali. Um ser humano deve ter o seu trabalho utilizado para coisas que realmente importem. Se as empresas mantém o cobrador, é porque o dinheiro dá e sobra.

Se ele dá e sobra, quando seria para não sobrar? Porque esse é o busílis, não é mesmo? O custo da passagem deve ser o dos custos básicos mais uma margem de lucro. Se ninguém sabe quais são esses custos, como estabelecer margem? Outra coisa: ao se criar uma margem automática, se remove o estímulo para ser mais eficiente, e o sistema todo, todo ele, vira uma coisa pesada, cara, e pela qual todos nós pagamos, tanto no custo da passagem como na ineficiência do serviço. Ou alguém está satisfeito com os ônibus que tem?

Que eu saiba, prefeitura alguma abriu pra valer os seus contratos com as empresas. E ninguém sabe quais os custos delas. Mas sabemos que, em algum momento do ano, a prefeitura vai lá e pimba, aplica um aumento linear, que vale pra todas as empresas, com se iguais elas fossem. São?

A primeira coisa a fazer, se queremos ir pra algum lugar pagando o custo justo, é abrir as planilhas e os contratos. E sabem o que eu acho? Dificilmente eles resistem a um exame atento de quem entenda de transporte, ou de contratos. Abrir é o começo, caros sulvinteumenses. Já as agências do Itau, estiomado MPL, essas pouco tem a ver com a solução, mesmo que possam lá ter, em algum nível, alguma relação com o problema.

Fica a dica.

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Marcelo Carneiro da Cunha é escritor.


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