Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
|
31 de agosto de 2015
|
11:00

O Humanizador do Futuro

Por
Sul 21
[email protected]
O Humanizador do Futuro
O Humanizador do Futuro

Por Marcelo Carneiro da Cunha

Estimados sulvinteumenses, tentem compreender, se não conhecem São Paulo.  Isso aqui tem mais de 20 mil km de ruas. Ela já era enorme há 50 anos, e desde lá só fez crescer, pra todos os lados. São mais de 6 milhões de automóveis e 30 mil ônibus, e só de pensar nisso dá cansaço.  Ela surge do processo de industrialização, o carro é o símbolo, o cimento é a massinha com que se faz e desfaz.  São Paulo, caros sulvinteumenses, é uma certa espécie de tudo.

Já moro aqui há quase dez anos e nesse tempo vi o Serra gastar um bilhão de dólares para colocar mais faixas na Marginal Tietê, e Alckmin prometer montes de linhas e novas estações de metrô, que ele nunca entrega. As ações do PSDB sobre a cidade, na mesma linha de quase todo o pensamento governamental brasileiro, são industriais. Estamos no século 21 apenas por detalhe, porque o governante brasileiro pensa em dodecassílabos e concreto armado. Disso tudo, o que realmente solucionaria a cidade é metrô, o industrial pós-industrial, porque serve para as pessoas irem e virem livres de outra coisa que não elas mesmas. O que menos se faz é metrô, em dezenas de anos de governo do mesmo partido, das mesmas mentes. O metrô que nos falta faz da cidade o que ela acaba sendo: ilhas de excelência cercadas de dificuldades para se chegar até elas.

Agora, mirem e vejam: dias atrás eu tinha uma reunião a uns 5 km daqui, em uma direção sem metrô, já que ele é escasso. Meio da tarde, trânsito azedo, atrasado, chegar como? Óbvio. Peguei a Caloi, a ciclovia mais próxima e pimba, cheguei em 20 minutos, por exatamente zero reais e nenhum centavo.

O que tornou a minha ida possível foi um investimento público de merréis, em uma cidade onde nada custa menos do que muito. O que tornou tudo isso viável não foi dinheiro, mas o desejo político de um sujeito também conhecido como Haddad, O Grande.

No domingo passado ele resolveu parar o imparável, e fechou a Avenida Paulista para automóveis, e o que se seguiu foi um terremoto, em termos paulistanos. Um vendedor ambulante sintetizou o evento daquele jeito brilhante que o povo do povo se expressa, quando resolve: “A Paulista não está fechada. São quatro estações de metrô. É muito fácil vir e ir embora daqui”.

Pois é. Com a avenida fechada para carros brotou gente, e nessas horas a cidade se descobre, literal e figurativamente. Uma cidade é a gente que nela vive, caros leitores, e algum cimento ao redor, árvores no meio. Recolocar essa equação no lugar é o que torna Haddad, o Grande, grande.

Eu conheci Haddad, o Grande em um evento para os milhares de trabalhadores migrantes que aqui vivem. Os novos migrantes são, em grande número, bolivianos e sem documentos. Por não terem documentos, não tinham conta bancária. Por não terem conta bancária, guardavam o dinheiro em casa e por ele eram assaltados, culminando na trágica morte do menino  Brayan Capcha.  A partir dali a prefeitura de SP fez um acordo com a Caixa Federal que permitiu aos migrantes terem suas contas bancárias e uma forma mínima e essencial de cidadania. Eu estava lá por acaso, assisti a líder dos migrantes falar com o nó no gogó que a gente sente quando vê a esquerda indo lá e mudando o mundo para melhor, do jeito que só ela é capaz. Ali me tornei um admirador do nosso Grande Timoneiro, o sujeito que resolveu mudar a direção de uma cidade do tamanho de São Paulo no muque e na coragem, porque sem isso nada se faz no mundo.

Ninguém peita a indústria do automóvel e das megaobras, ninguém se sensibiliza com o drama dos mais frágeis, ninguém troca vagas de carro pelos parklets que explodem pela cidade, ou resolve criar faixas exclusivas para ônibus e bicicletas em uma megalópole entortada como essa se não tiver a visão de um futuro criado a partir do que é humano.  No seu momento, Marta governou a cidade assim. Agora, é Haddad, em mais uma prova de o quanto o PT é essencial, quando resolver ser ele mesmo. Aqui, temos o único governante no Brasil que entende o século e com ele e para ele governa.  Sorte a nossa.

Porto Alegre poderia ser, tranquilamente, a cidade brasileira mais agendada pelo pós-industrial. A gente tem praticamente tudo para isso, apesar dos 20 de setembro que por aí gorjeiam. Aí existem um rio e orla inacreditáveis, gente com uma capacidade de invenção que se expressa nas novas cervejas da cidade, um alto nível de consumo cultural, de inconformidade, de inteligência. Falta algo essencial, e o que falta é um Haddad e gente disposta a votar nele, se aparecer por aí materializado em alguma pessoa de esquerda que queira vivar prefeito da leal e valerosa e nos tirar da atual estagnação fortunatiana.

Por hora, ainda não troquei meu endereço eleitoral, e se essa pessoa aparecer, leva meu voto. Não vi ainda ninguém com o jeito necessário, sequer com o discurso. Mas, e essa é a beleza da vida, tudo é possível.

Vai que, né, sulvinteumenses? Vai que.

.oOo.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora