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18 de julho de 2015
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11:01

Os lobos

Por
Sul 21
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Os lobos
Os lobos

Por Marcelo Carneiro da Cunha

Esse que vos atormenta esteve em Porto Alegre, perseguido por táxis Corsa Sedan, como sempre, e encantado com a realidade cervejeira da cidade. No momento em que se sai do táxi e entra em uma das ótimas choperias daí, Porto Alegre deixa de ser uma cidade de fronteira e se torna uma Seattle, uma Portland, um desses lugares remotos o bastante para criar seu próprio charme distinto do das grandes metrópoles que afogam cidades menos capazes e criativas. Nas cervejas, Porto Alegre brilha acima do resto do Brasil, e isso é um fato, caros leitores.

Já de volta a SP,  no aeroporto vejo a capa da VEJA da semana, mais uma edição da mais golpista de todas as publicações brasileiras, nossa pequena Fox News local. VEJA e sua dose semanal de bacilo da peste bubônica, sempre a mesma, sempre ela.

E lembrei de um conto do H.H. Munro, que assinava Saki. O conto se chama The Interlopers, e narra a história de dois inimigos que se veem presos sob uma árvores, imobilizados e incapazes de sair dali, e matar seu odiado vizinho, como adorariam fazer.

Nada como a desgraça compartilhada para transformar inimigos em sujeitos decentes, e os dois, ali sob a árvores, conversam e se conhecem. Ao se conhecer, de alguma forma, passam a respeitar e mesmo gostar um do outro. Se regeneram e prometem que quando libertados serão bons vizinhos, ou bons amigos, o que der.

Ouvem ruídos na mata e na noite, decidem que não importa quem os salve. Não atacarão um ao outro, não abusarão das circunstâncias, mas sairão dali melhores, mais humanos, mais capazes de lidar com as diferenças e com os ódios.

Deitado sob os galhos, um deles não consegue ver os que se aproximam para salvá-los. Pergunta então ao novo amigo se ele consegue ver quem vem, se são os seus homens, ou os dele.

Do outro lado, silêncio. Quando a voz do vizinho finalmente se faz ouvir, está trêmula. “Não são os meus, nem os seus.”

“E quem são”, pergunta o imobilizado que não vê quem se aproxima.

“Lobos”, diz o vizinho, e o conto termina por falta de quem o conte.

Nossa estimada presidente está cercada por lobos, de diferentes cores e formas, mas não menos lupulinos, por forma, conteúdo ou circunstância.

Eles farejam e percebem fraquezas ou as inventam para ver se cola. Uma investigação que parece um tanto fora de controle serve de árvore, prendendo a todos sob galhos reais ou imaginados.

Do que se consegue ver de claro nessa noite e nessa escuridão proposital, existe um plano. Os lobos não estão ali por diletantismo, não estão ali por cordialidade. Eles estão ali por sua natureza devoradora e assustadora. A elite que sempre tocou os negócios do jeito dela, e o país como mais um negócio, não está se contendo mais. Ela quer o latifúndio de volta, e os lobos são a sua vanguarda. A única força que jamais foi capaz de confrontá-la de maneira eficaz está ali, presa sob os galhos de seus feitos reais, imaginados ou delatados. Aliados, emaranhados no folharedo, só pensam em métodos de cortar galhos e sair dessa como sempre, por cima.

A VEJA, como um Lacerda dos novos tempos, faz a sua parte, o que não deveria surpreender ninguém. A única coisa que me surpreende é que o PT não tenha sido capaz de produzir a sua estrutura para competir com o sistema que produz árvores e lobos à mancheia. Ingenuidade, crença na boa natureza dos lobos, crença na ideia de que bastaria não contrariar os interesses secundários das elites e tudo ficaria bem, a crença de Lula de que todo mundo pode sempre chegar a um acordo, quem sabe?

Vivemos tempos de uivos, estimados sulvinteumenses. Cá comigo eu não vejo muito futuro nessas versões plantadas sobre impeachments e sabe-se lá mais o quê. Eles não querem Dilma realmente fora do governo, mas sim sob a árvore.

Eles sabem o que querem e estão fazendo o que acham que precisam, como sempre. O que estamos assistindo é ao desenrolar de algo que estava numa caverna escura desde 2008, pelo menos, e agora resolve mostras as unhas e os grunhidos. Até aí, nada de novo sob o sol, e cá seguimos, em um Brasil que não é 1945, nem 1961, nem 1964, nem 1992, nem se sabe ao certo o que ele é, ou pode ser.
Do Brasil atual não sabemos muito sobre a natureza, sabemos muito sobre a trilha sonora. Lobos é o que escutamos ao fundo e a dúvida é por quanto tempo eles vão se conter, e de que jeito vão se mover, quando se moverem.

Daqui pra frente, é a floresta falando, caros leitores. Ouçam a floresta, e voltamos a conversar daqui a algum tempo, se der.


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