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2 de julho de 2015
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11:00

A esquerda, a direita, e o Bike POA

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A esquerda, a direita, e o Bike POA
A esquerda, a direita, e o Bike POA

Por Marcelo Carneiro da Cunha

Estimados sulvinteumenses, cá estamos, em um dia paulistano que lembra o inverno porto-alegrense, o que produz um quase-banzo nesse exilado que vos atormenta com essas pessimamente traçadas. E nesse dia nubladão, eu acabo de voltar de um trajeto que consumiria trocentos reais nos usualmente impecáveis taxis daqui gastando apenas 3,50 reais no trem de ida, 3,50 no metrô de volta, sendo que não estou muito próximo do trem ou do metrô. A distância entre mim e o transporte sobre trilhos mais próximo eu fiz pedalando alegremente em uma bicicleta do Bike Sampa, pegando uma bici no estacionamento mais próximo de casa e deixando na estação de trem sem gastar um vintém, algo tão belo que até rimar rimou.

Penso nisso porque uma conhecida minha publicou no FB ontem uma foto de bicicletas do Bike POA depredadas aí na leal e valerosa. Minha conhecida é também direitona, e os amigos dela se esbaldaram com a foto e encheram de comentários sobre “brasileiro é assim mesmo”, no tipo de divagação que eles tanto curtem e que tanto me enche a paciência. Os brasileiros, segundo eles, são uma nação dedicada compulsivamente à destruição de bicicletas colocadas à disposição de todo mundo, em várias partes da cidade. Brasileiros são pichadores e vândalos por natureza, e é por isso mesmo que minha conhecida e seus amigos vivem em Miami, de verdade ou em sonhos.

Acontece que eu uso diariamente, ou quase, as bicicletas, porque gosto e porque meu cardiologista prefere que eu morra atropelado do que de enfarto. Além disso, quero dar um bom exemplo ao meu filho pequeno, e, ao contrário da direita, acredito que brasileiros são perfeitamente capazes de usar e preservar o que é colocado à disposição deles. Estimados leitores: eu nunca vi uma bicicleta depredada. E eu ando o tempo inteiro de trem e metrô na vasta São Paulo e nunca vi um vagão sujo, muito menos vandalizado. E somos seis milhões de pessoas usando o sistema diariamente, e muitos deles, eu suspeito, brasileiros. E aí, como se explica?

Quem depredou as bicicletas, se é que isso aconteceu mesmo?

Posso imaginar que setores da exquerda não gostem do Bike POA porque ele é patrocinado por um banco. Eu sigo a linha de pensamento do companheiro Lula, que sugere que a gente aproveite ao máximo e simplesmente não abra conta no tal banco. E posso imaginar setores da direita que não gostem do sistema porque ele propõe uma nova visão de cidade na qual a gente ouse andar pra lá e pra cá sem usar automóvel. E posso imaginar que algum idiota tenha simplesmente achado bacana destruir algo simplesmente porque sim. Idiotas existem às pencas, e muitos deles nem ao menos são brasileiros.

O que eu não acredito é que o povo brasileiro seja essa coisa que a direita insiste em afirmar, contra todas as evidências. Não somos particularmente melhores ou piores, e costumamos ser mais gentis do que a vasta maioria das gentes pelo mundo, basta viajar e ver. As nossas cidades funcionam, eu consigo ir e vir no trânsito pesado de SP usando uma mera bicicleta, e isso já há bons anos. Vários amigos meus daqui, especialmente em bairros mais planos, simplesmente abdicaram do automóvel e pedalam pra tudo. Dias atrás, em uma reunião no bairro pra lá de corporativo da Vila Olímpia, em um escritório de advocacia daqueles chiques pra caramba, quatro dos participantes da reunião chegaram de bicicleta – eu inlcusive. E não sou ativista do pedal como modo de vida, mas simplesmente alguém que se deu conta de que dá muito bem pra ir e vir, bastando simplesmente querer. E muito mais gente está percebendo isso, em particular nosso prefeito, Haddad, o Grande, a maior sorte que SP tem e Porto Alegre definitivamente não tem.

Quando vou a Porto Alegre, e em particular para fugir dos horrendos táxis Corsa Sedan,  pego o aeromóvel, o Trensurb e, por apenas 1,70, loguinho estou no centro da cidade, onde posso bikear até algumas das casas onde ainda topam me hospedar. Fora dos altiplanos daí, Petrópolis e similares, funciona muito bem.

Afirmar que os brasileiros são isso, ou aquilo, costuma vir junto com afirmar que as cidades brasileiras são isso ou aquilo, e nada pode mudar um ou outro, porque somos mesmo um bando de gente incompetente, mal-educada, destruidora do bem público e preguiçosa, apesar de todas as evidências em contrário.

Eu sei que a cidade é também o que se faz com ela, e sei que cada vez mais encontramos formas de usar a cidade de um jeito mais humano e menos industrial. Morando aqui, vejo uma cidade que se desloca, de várias formas, na direção de novos modelos de ser e fazer. O que eu não sei, e gostaria de saber, é como vocês, que vivem aí, veem o que acontece em Porto Alegre, apesar das suas administrações medíocres dos últimos anos. O que não sei é como vocês fazem pra ir e vir, e como sentem o que os circunda, se indo para a frente, para o lado, ou para o espaço.

Dessa vez eu gostaria mesmo de ouvir, ler, saber, e assim, convido a todos a colaborar para com esse pobre de mim mandando suas cartas para essa caixa postal. Sei do que vejo aqui, não sei do que não vejo aí, e, desde já, grato pela colaboração fica aqui o obrigado desse seu escravo,

Eu.

.oOo.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor.


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