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30 de abril de 2015
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10:56

Marta

Por
Sul 21
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Por Marcelo Carneiro da Cunha

Estimados sulvinteumenses, leio que Marta Suplicy acaba de se desligar do PT e essa é uma notícia que me entristece. O lugar de Marta é dentro do PT, não fora. Ela deve ser a única personalidade política a sair do partido que vai fazer falta a ele. Os outros, da linha Cristovão Buarque e, ah, Fortunati, nunca fizeram qualquer diferença, dentro ou fora.

Conheci Marta Suplicy por um caminho dos mais insólitos. Eu tinha publicado uma coluna sobre Lula no então Terra Magazine e recebi um email daqueles que a gente pensa que só pode ser engano ou trote, tipo clique aqui para renovar seu CPF. Era uma nota muito simpática comentando o quanto havia apreciado o texto, e, no lugar da assinatura, Marta.

Ela estava fora de cargos ligados à política, algo raro, creio, e a gente manteve ótimas conversas aqui em SP, onde eu ainda era um recém-chegado olhando ao redor com muito espanto. Quando a conversa ocorria em algum lugar público, a primeira coisa que chamava a atenção era a hostilidade de muitos dos representantes das classes mais privilegiadas em direção a ela, e a admiração que vinha forte por parte das pessoas da classe trabalhadora. Uma vez em que ela veio até uma festa na minha casa, virei ídolo absoluto dos porteiros do prédio, para todo o sempre. Talvez isso seja o que define a vida política de Marta Suplicy: o que sentem por ela as elites, e a classe trabalhadora, em São Paulo, ao menos.

Logo a vida política voltou, o Senado, Ministérios, e não tive mais contato com uma das pessoas mais interessantes que eu já conheci nesse mundo vasto mundo. Mas pude conhecer por algum tempo uma pessoa muito inteligente, altamente capaz, com uma capacidade surpreendente para o detalhe e muito carinho pela condição humana. Nos abrigos da cidade de SP disponíveis aos mais pobres durante a administração dela, ficavam o sujeito, sua carroça e seu cachorro, coisa que terminou assim que Kassab assumiu o poder, pelo que me dizem. Esse carinho em relação aos mais despossuídos é coisa de quem é esquerda, muito mais do que se diz de esquerda, ao menos na cartilha política aqui da Mansão Carneiro da Cunha.

Eu vim para cá ao final da terrível fase Maluf/Pitta, algo ainda pior do que vive Porto Alegre nessa era das trevas Fogaça/Fortunati. São Paulo estava maltratada, pichada, abandonada. Peruas clandestinas nos abordavam nas ruas, a manifestação mais evidente da entrega do público ao sub-privado.

A administração de Marta foi um momento civilizatório e essencial na retomada que São Paulo realizou. Eu vi, e foi impressionante. Reza a lenda que ela e o Secretário dos Transportes tinham que andar de colete à prova de balas por conta das ameaças que recebiam. Não sei se isso é real, por que ela nunca comentou o assunto. Conheci Cida Perez, a Secretária de Educação que implantou os CEUs, as escolas desenhadas para levar autoestima às periferias. Aquele governo foi importantíssimo na história da cidade.

Se existe uma coisa que o PSDB e sua estrutura de construção e destruição de imagens sabe fazer é bater, e forte. Marta foi alvo de algumas das piores tentativas de desconstrução que eu já vi, e segue por aí, firme. Mas não soube mais, ou não quis mais, continuar no papel que o PT reservou a ela, o de coadjuvante über-especial. Me parece que ela não tinha esse perfil, e se existe algo que eu acredito é que Marta Suplicy não é coadjuvante em coisa alguma.

Eu lamento que o partido e ela não tenham conseguido ficar juntos. Perde todo mundo, eu acho. Não gosto de ver Marta fora do partido porque ela fez muitas das coisas que fizeram do partido o que ele é, nos seus bons momentos. O PT, caros leitores, é importante por ser melhor, e é melhor por ser bom, simplesmente por isso. E ele não deveria ser privado dos realmente bons.

Tampouco gosto de ler o que supostamente Marta teria dito, se colocando em um lugar na oposição ao PT. A pior coisa que poderia acontecer é negar o passado, onde ela construiu, em troca de um futuro sem garantia de coisa alguma. Uma coisa é errar tentando acertar, outra coisa errar em busca do que sequer esta lá. Uma biografia é sim importante, e negá-la é uma perda, muitas vezes irreparável.

O PT tem seus bons e maus momentos, mas segue sendo melhor apenas por ser bom, em um país onde nenhum partido é bom. Marta, fora do PT, fica fora do seu habitat natural, e eu não creio que exista outro habitat viável, não no Brasil.

Talvez esse seja o resumo do nosso tempo: quem poderia fazer, está fora, e quem está dentro não sabe. Tristes trópicos, disse o Lévi-Strauss , acho que sem saber muito bem do que falava, e acertando assim mesmo. Tristes trópicos, caros sulvinteumenses, e nada existe, no curto prazo, que nos tire dessa tristeza.

Ademã, e vamos em frente, só que de lado porque assim são os tempos.

Marcelo Carneio da Cunha é escritor.


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