Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
|
18 de março de 2015
|
11:00

Panelaço gourmet

Por
Sul 21
[email protected]

Por Marcelo Carneiro da Cunha

Caros e estimados sulvinteumenses, pois é, andei afastado, mesmo que ninguém tenha percebido. Andei muito ocupado com a implantação de mais uma divisão da MCC Inc, o meu império global que se espalha por vários bairros da zona oeste de São Paulo, e andei bastante desconsolado com o meu estimado RS, após a eleição do nosso estimado ocupante do bravo Palácio Piratini. Sério, caros e estimados sulvinteumenses:  isso, mais algumas questões pessoais e familiares, me fizeram perder a graça com o meu querido e estimado rincão, e me concentrar mais aqui mesmo, onde vivo e meu filho de três anos começa a falar com sotaque local. Um choque, acreditem.

Pois no cantinho de São Paulo também conhecido como Vila Nova Conceição, só faltam as barricadas. Nessa semana os ricos panelaram à mancheia, devem estar com os dedos inchados até agora, já que era domingo e nem todo mundo conseguiu folguista pra empregada, que é quem cuida das panelas normalmente. Vi alguns segurando delicadamente a Le Creuset com uma mão e consultando o Guide Michelin de bom comportamento durante protestos na outra, sem muita sorte. Os ricos franceses, desde 1790, mais ou menos, se cuidam mais nessa horas.

Vi madames jorrando indignação pelos poros e passando por aqui na direção do Ibirapuera, aproveitando para usar um agasalho podre de chique adquirido em Miami e justamente nas cores nacionais, ora vejam quão avant la lettre!

Vi a garotada musculosa da Vila Olympia preparada pra proteger as barricadas de tudo, inclusive da garotada rival do Itaim.

Vi, meus caros, leitores, vi.

O que não vi foi muita sanidade, isso eu não vi. Vi o povo avec elegance clamando contra a corrupção, o que não deixa de ser divertido, já que os corruptores são, todos, membros do mesmo clube deles. Vi a elite vestindo o verde amarelo que não designa um país, mas um latifúndio, e que é, ou era, deles. Vi gente que devia estar em outro canto metida no meio, mas, lembrem: negros, hispânicos e gays  também votam no partido Republicano, nos Estados Unidos. Consciência e lucidez, caros leitores, são artigos de luxo nesse mundo vasto mundo.

Vi uma classe que andou meio quieta nos últimos doze anos ganhar voz de novo, o que não chega a ser um ganho, mesmo que seja legítimo. A estupidez tem o direito constitucional à existência, assim como as igrejas, caros leitores. Tá no livrinho, é só olhar.

E o que se tira disso tudo?

Em primeiro lugar, que as caixas de maldades um dia abrem, é da lei que rege o universo. Em segundo lugar, que tudo isso era natural e esperado. Uma elite que mandou e se lambuzou por 500 anos nunca iria levar na boa a puxada de tapete que tomou do Lula et caterva, ah, não. Era só esperar o momento, aproveitando para ganhar dinheiro a rodo, e então colocar de novo as garrinhas de fora.

Pois então, se isso era sabido, e era, como foi que o PT ficou ali de lado, esperando a maré subir e a onda vir, sem fazer nada antes, durante, ou agora? Como foi que o partido mais competente que esse país teve no seu século 20 se deixou anestesiar e nocautear desse jeito?

Como foi que nada foi feito para se preparar para o que viria, mais dia, menos dia? Como foi que tudo que se fez em comunicação foi criar a TV Brasil, gastando milhões em troca de traços? Como foi que não se criou um think tank de verdade, para pensar de verdade, termos projeto de verdade, indo além da oferta de direitos básicos ao povo, na hora em que isso deixasse de ser suficiente, mesmo que importante? Como se deixou a economia estacionar, quando havia tantas formas de evitar a mesmice? Como se deixou a Petrobrás por ela mesma, quando os anticlinais podiam imaginar o que acontece nas entranhas de uma empresa como ela?

Como se fez acordo justamente com o PMDB, a fonte de quase tudo que já entortou esse país razoavelmente torto pra começo de conversa?

Que o PT errou, se sabe. O quanto errou, é o que se fica imaginando. Os outros, que erram, erram, e erram profissionalmente, estão aí, lépidos e soltos, chutando o PT enquanto ele tenta tirar o capuz e reagir, porque isso é mais do que necessário, mesmo que um tanto inútil nesse momento exato em que a onda cresce e tomba sobre todos nós.

O momento é ruim porque a narrativa vitoriosa é péssima, para todos. O momento é ruim porque estamos, como a esquerda tanto adora estar, no canto do ringue e levando pancada no fígado. O momento é trágico porque o Brasil vai pagar um custo descomunal para o que deveria ser um custo muito alto, e não mais do que isso.

Aqui do meu ponto de observação vejo que a Vila Nova já está estocando pneus para guarnecer as esquinas do bairro, e uma das moças do quarteirão já desenha o uniforme das milícias que vão proteger as ruas do comunismo ateu.

O Brasil, estimados leitores, está nas mãos do povo gourmet, e boa coisa, isso não é.

Ademã, e vamos em frente.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora