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26 de janeiro de 2015
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11:27

O fim da TVE e outros fins

Por
Sul 21
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Por Marcelo Carneiro da Cunha*

Estimados sulvinteumenses, não está fácil estar vivo nesse ano do senhor de 2015. A coisa anda mais para o que falava Guimarães Rosa, do diabo na rua, no meio do redemoinho. Só que quem está no meio do redemoinho somos eu, o senhor aqui ao lado e você, caro leitor dessas pessimamente traçadas.

Aqui em São Paulo, vivemos o cotidiano by Kafka de um governo que lida com a gravíssima situação da água da maneira mais coerente e lúcida possível: ignorando-a. Em SP, o PSDB tem direito a tudo, inclusive a isso. No plano federal fica claro que abusamos um tanto do direito de deixar pra lá, e o bicho está feio e pegando a torto e direito. Se tiveram que chamar o Levy, imaginem a gravidade da situação, e pra onde os bancos vão empurrar os juros nesse ano endiabrado? A Petrobrás bancou um imenso plano de investimentos – com sucesso – no pré-sal, justamente na hora em que a Arábia Saudita resolveu chamar o óleo do fracking americano pra dança, e nós no meio. Se a gente vai sofrer, imaginem a Venezuela, que depende disso e onde a coisa já estava pra lá de Bagdá com o óleo a 100 dólares o barril?

A gente sente quando as coisas se desalinham, estimados leitores, e nesse momento o desalinhamento é galáctico. Sabe como se percebe isso? Quando notícias de futebol desaparecem do nosso imaginário. E assim vamos, 2015 a dentro.

Aí no nosso querido e estimado rincão, vejo que o início da dinastia Sartori é mais ou menos o que se esperava. Nada vezes nada dá quanto mesmo? A notícia que chamou a atenção nessa semana foi a de que a TVE, sob nova administração, estaria deixando de produzir cinco séries de tevê usando dinheiros já definidos e apenas 300 mil do esgarçado erário estadual.

Sugestão desse que vos atormenta com essas pessimamente traçadas? Fechem. Desistam, parem com o déficit e transformem a TVE em alguma outra coisa que tenha uso para galpões, estúdios e ideias de outrora sobre comunicação.

Televisões públicas, na ausência de um projeto estratégico que as coloque no meio do redemoinho, são nada, ou quase. Elas não têm agilidade, punch, verba, povo, equipamento, ideias capazes de competir com o mundo da televisão como ele é. Podem ter, claro que podem ter. Mas pra isso têm que ser estratégicas, o que nunca são. Querem ver o bom exemplo? A BBC. A Cultura aqui de SP, no seus bons tempos. Fora isso, o que obtivemos em troca do nosso rico dinheirinho? Ponto, traço, ponto, traço não resolve coisa alguma. E nem ao menos se trata de dizer que uma tevê pública não busca audiência. Se não busca audiência, não é tevê.

A questão toda é com a tevê. É a ideia de tevê, tão poderosa no século 20, que anda sub judice. A questão nem é pra que tevê pública, mas pra quêetevê. Uma tevê pública hoje em dia começa a fazer tanto sentido quanto uma fábrica pública de charretes, e uma tevê privada começa a fazer o mesmo sentido.

Transformar a TVE em uma estrutura de produção de conteúdo, (por exemplo, com essas séries de tevê produzidas aí)  faria todo o sentido. O mundo não precisa de tevês, mas precisa de conteúdo. Conteúdos não-comerciais são mais importantes do que nunca, sendo bons. O mundo hoje tem uma enorme demanda por conteúdo, e transformar a TVE em um hub de viabilização, aproveitando de vantagens institucionais na hora de obter verbas e partir para montes de co-produções mundo a fora seria um caminho brilhante. Por isso mesmo, ele não tem a menor chance, especialmente no novo cenário do mundo sartoriano que se abate sobre o RS.

Na ausência de um caminho, temos uma cara e antiquada tevê, sem maior capacidade de fazer diferença em um mundo que se mandou pra internet, há horas. As novas gerações não veem tevê, sabiam? Não têm utilidade pra ela, encontram suas soluções todas on line, em uma forma ou outra. Um setor público de vanguarda deveria olhar para essas oportunidades e ocupar esses espaços, e não investir pouco demais em uma estrutura ultrapassada.

A dura verdade é que estamos indo para o século 21, uns mais, uns menos. A tevê não tem lugar nele, as salas de cinema não têm lugar nele, os jornais em papel não têm lugar nele e infelizmente a água parece não querer ter um lugar nele.

As estruturas que herdamos precisam se justificar ou saírem de cena. Carregar o passado é pesado, e o peso pode afundar o barco, ainda mais um barco à deriva e sobrecarregado como o nosso lanchão gauchesco. Uma TVE pode ser importantíssima e pode ser mais do nada. Uma estrutura cultural ativa e capaz de interferir é importantíssima. Uma estrutura  incapaz disso não serve para muita coisa e deve ter seu formato transformado, já.

A questão real, e acho que os amigos concordam, é que não existe qualquer estratégia. E aí, caros leitores, né.

Um abraço a todos, e vamos em frente, cheios de desodorante e fé no futuro, o que hoje é, mais ou menos, a mesma coisa.

*Marcelo Carneiro da Cunha é escritor


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