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9 de novembro de 2012
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06:43

O pior já passou?

Por
Sul 21
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Em recentes declarações, o presidente da França, François Hollande, afirmou que o pior momento da crise financeira na Europa já passou, ressalvando a necessidade da união dos países da zona do euro para garantir os avanços necessários para retomar o crescimento.

Contudo, a agitação que toma conta do continente, especialmente após a chanceler alemã, Angela Merkel, pedir mais cinco anos de austeridade à Europa, sublinhando a necessidade de “grandes reformas estruturais”, a fim de “conseguir resultados para recuperar a confiança dos investidores e impulsionar outra vez a economia europeia”, deixa claro que há motivos de sobra para suspeitarmos de que o velho continente está longe de superar a crise.

Afora os discursos dissonantes, há outras razões para desconfiarmos de que o pior da crise ainda pode estar por vir. O Parlamento grego acaba de votar mais uma etapa do pacote que inclui corte de gastos (13,5 bilhões de euros), aumento de impostos e medidas para facilitar a contratação e a demissão de funcionários, para que o país possa continuar contando com o socorro da União Europeia (UE) e evitar sua saída da zona do euro.

Após destruir os direitos trabalhistas e deixar um quarto do povo grego desempregado, as medidas recessivas são anunciadas como as últimas da série. Seria possível piorar? Em resposta, os principais sindicatos dos setores público e privado organizaram greve de 48 horas contra a legislação e o novo arrocho. Jornalistas, médicos, funcionários do setor de transporte (metrô) e energia elétrica devem interromper suas funções, o que pode gerar apagões no país.

Há também a expectativa de uma jornada de lutas em todo o continente, convocada para 14 de novembro pela Confederação de Sindicatos Europeus, com maior repercussão em Portugal, Espanha, Itália e Bélgica, com adesão a uma greve geral.

Na Alemanha, mesmo em ritmo mais lento do que na Grécia e na Espanha, o desemprego começa a apertar. O mês de outubro fechou com 20 mil desempregados a mais no país e uma taxa de desemprego de 6,9%, conforme dados da União Europeia. Em toda a zona do euro essa taxa atingiu 11,6% ou 18,5 milhões de desempregados. Entre os mais jovens a taxa geral subiu para 23,3%. De acordo com a Eurostat, as taxas de jovens sem emprego na Espanha e na Grécia são respectivamente 52,9% e 55,4%.

O que se vê é que a receita para salvar os bancos e evitar a reestruturação das dívidas soberanas, antes de livrar a Europa da crise, prolonga a agonia de gregos, espanhóis, italianos, portugueses e irlandeses que, acuados pelo desemprego e pela diminuição da renda, correm o risco de engrossar a lista vermelha dos inadimplentes e aumentar o percentual de ativos podres nas carteiras dos bancos. As medidas de contenção adotadas travaram as economias dos países, e a estratégia de reduzir as dívidas às custas do sacrifício dos trabalhadores está muito longe de  apontar para a resolução dos graves problemas. Ao contrário, os agrava.

Seria muito bom que avaliação de Hollande “a de que o pior já passou” estivesse certa. Mas o que vemos é que não há solução visível no horizonte para superação da crise. O presidente francês acerta, no entanto, quando diz que sem incentivo à volta do investimento, as medidas de disciplina não poderão ser traduzidas em resultados. Trata-se do óbvio, mas, como se sabe, o óbvio é, muitas vezes, o mais difícil de se enxergar.

José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT


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