Colunas>José Dirceu
|
21 de novembro de 2012
|
16:03

Mobilidade social na América Latina

Por
Sul 21
[email protected]

No início da década de 1970, quando Eduardo Galeano publicou uma de suas obras mais conhecidas, As veias abertas da América Latina, livro que se tornou um clássico libertário, a maioria dos países latino-americanos padecia terríveis ditaduras, as quais agravavam as desigualdades históricas entre ricos e pobres no continente. Mais de 40 anos depois, apesar de o livro não ter perdido completamente a atualidade, o fosso social começa a ser superado. De acordo com relatório do Banco Mundial, divulgado na última semana, a classe média da América Latina aumentou em 50% na última década deste século, passando de 103 milhões de pessoas para 152 milhões, um crescimento sustentado pelo aumento da renda média da população da região, possível graças à adoção de políticas de crescimento econômico com inclusão social.

Trata-se de um crescimento impressionante para um continente que, após séculos de exploração, como detalha a obra-prima de Galeano, e décadas de estagnação, após a superação dos regimes autoritários, viu sua classe média rapidamente disparar na última década e abranger 30% da população. O estudo aponta que o avanço foi puxado especialmente pelos resultados do Brasil, onde, no período, 22,5 milhões de pessoas deixaram a pobreza e 21 milhões entraram na classe média, um número que supera a população da maioria dos países. Segundo o relatório do Banco Mundial, a classe média compreende hoje cerca de um terço da população do Brasil. O dado diverge da estimativa do governo brasileiro, que aponta 53% dos 190,7 milhões de cidadãos na classe média. De qualquer forma, é mais uma prova incontestável dos rumos sólidos adotados pela economia brasileira, a partir dos governos Lula, e das políticas acertadas de líderes progressistas dos países vizinhos.

Os autores do estudo apostam como fatores responsáveis pela mobilidade econômica do continente não apenas as boas políticas sociais, mas a combinação destas com as condições internacionais favoráveis, a alta demanda por commodities e as baixas taxas de juros. Mas, apesar dos avanços que o Banco Mundial classifica como uma “mudança estrutural histórica”, ainda há muito a fazer para que o continente consolide seus regimes democráticos e as políticas de desenvolvimento econômico e social necessárias para continuar incluindo os milhares de cidadãos mantidos à margem, durante séculos de exploração e exclusão.

O estudo aponta que para manter essa trajetória favorável os países latino-americanos deverão continuar investindo em políticas públicas de proteção social, de saúde e, principalmente, de acesso à educação básica. A educação, inclusive, é indicada pelo relatório como fator mais importante por promover a mobilidade social no continente, já que os trabalhadores com mais escolaridade são os que possuem maior nível de emprego formal e de aumento da renda.

O relatório sugere ainda a necessidade urgente de implementação de reformas nos setores de impostos, previdência e trabalhista e de maior engajamento dessa classe média crescente no progresso social, a fim de assegurar a melhoria dos serviços públicos de saúde, educação e segurança, já que se observa uma tendência de que seus novos integrantes passem a optar por serviços privados, especialmente nestes setores.

O momento positivo para a América Latina, apesar da crise financeira que sacode o mundo, requer também que seja recolocada na pauta de seus líderes a premência de maior integração entre seus países, não apenas comercial mas, sobretudo, política e produtiva, para que possam se fortalecer e encontrar, juntos, respostas afirmativas para crescer de forma cada vez mais sustentável, combatendo a miséria e melhorando a vida de seus cidadãos, cicatrizando de forma definitiva as feridas desse continente tão rico e sofrido.

José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora