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24 de setembro de 2012
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10:47

Protestos pelo fim da austeridade

Por
Sul 21
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O recente socorro financeiro feito pelo BCE (Banco Central Europeu) aos países europeus em dificuldade pode ter causado euforia no mercado financeiro, mas não teve a mesma boa repercussão na população desses países, que sofre na pele os efeitos de grave recessão e tomou as ruas de Espanha e Portugal nos últimos dias.

Para protestar contra as políticas de austeridade e os pacotes econômicos de arrocho impostos pela Troika —formada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comunidade Europeia (CE)—, milhares de portugueses e espanhóis protagonizaram as maiores manifestações desde a década de 1970, quando estiveram sob regimes ditatoriais. Em Portugal, segundo o jornal Expresso, foram cerca 660 mil manifestantes em Lisboa e outras 40 cidades do país.

É gritante o descontentamento com a política econômica que penaliza a população, elevando impostos, diminuindo a renda dos trabalhadores, aumentando o desemprego a patamares alarmantes e suprimindo direitos trabalhistas. Na Espanha, o desemprego atinge mais de 25% da população e supera os 50% entre os jovens; em Portugal, o nível de desemprego bateu recorde e estima-se que 15% da população esteja sem trabalho.

Nesse momento, a principal reivindicação dos portugueses é que o governo do primeiro-ministro Passos Coelho não aplique as novas medidas de ajuste anunciadas na última semana, que levarão a uma redução geral dos salários superior a 7%. O Partido Socialista, maior força de oposição no país, inclusive, ameaçou retirar o apoio ao resgate financeiro, votando contra o projeto de orçamento para 2013, caso o governo não abra mão da proposta de aumentar de 11% para 18% o imposto de seguridade social dos trabalhadores.

Na simbólica praça Cristóvão Colombo, em Madrid, manifestantes de todos os lugares do país e de todas as idades se reuniram para exigir que a proposta de cortes orçamentários e de investimentos apresentada pelo governo seja submetida a um referendo. Para os manifestantes, as medidas em vigor no país não são aquelas prometidas durante as campanhas eleitorais e, em muitos casos, são contrárias às promessas.

Enquanto a multidão engrossava nas ruas, ministros espanhóis alertavam que “mais sacrifícios” serão necessários e que os cidadãos ainda irão agradecer pelas reformas em andamento. Como se fossem poucos os prejuízos impingidos até agora à população pelo governo conservador de Rajoy que, para atender às exigências fiscais da União Europeia (UE), tem retraído os salários, demitido trabalhadores e atingido até mesmo direitos a atendimento em saúde.

A crise desenha contornos ainda mais graves quando deflagram o ressurgimento de movimentos separatistas em regiões autônomas, como a Catalunha, um antigo fantasma que o governo central, certamente, não gostaria de ter de enfrentar.

Recentemente, por meio de seu Relatório de Comércio e Desenvolvimento 2012 – Políticas para o Crescimento Inclusivo e Equilibrado, a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) afirmou que as ações de austeridade e de achatamento dos salários praticadas pelos países desenvolvidos enfraquecem seu crescimento e não estimulam a economia como o esperado.

Segundo a análise, a redução dos déficits fiscais e o aumento da confiança dos mercados financeiros não produzem efeito algum sem a geração de empregos. O documento aponta ainda o risco de que essas políticas tornem vulneráveis também os países em desenvolvimento, já que os cortes fiscais nos países mais ricos prejudicam a recuperação da economia globalmente. No mesmo relatório, as políticas de estímulo à produção e de distribuição de renda desenvolvidas no Brasil, nos últimos dez anos, foram apontadas como referência global até mesmo para as grandes economias.

Não só o Brasil, mas outros países progressistas da América Latina vivem hoje a condição de servir de exemplo aos líderes europeus, para que atendam ao apelo de seus cidadãos e recuem das políticas de austeridade que os estão asfixiando, afetando de forma dramática milhões de pessoas, especialmente as mais pobres. Esse é o recado das ruas.

José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT


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