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29 de agosto de 2012
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08:27

Sistema carcerário e o CNJ

Por
Sul 21
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O Brasil tem hoje a quarta população carcerária do mundo, com quase 500 mil detentos, e um sistema prisional superlotado, que fere os princípios básicos de respeito aos Direitos Humanos.  Segundo dados de 2010 do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), as prisões brasileiras abrigam um número de presos 66% superior à sua capacidade, registrando um déficit de 198 mil vagas.

Estes dados por si só garantem a importância do trabalho realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, por meio dos Mutirões Penitenciários, se propõe a revisar prisões e relatar o funcionamento do sistema de justiça criminal em todos os Estados da Federação. O objetivo deste trabalho é fazer com que os detentos não fiquem encarcerados depois de terem cumprido suas penas e tenham acesso adequado ao sistema de progressão penitenciária (regime semiaberto ou liberdade assistida) – o que ajuda a reduzir a superlotação.

Entre 2010 e 2011, o Conselho conseguiu a libertação de cerca de 25 mil presidiários, depois de constatar irregularidades judiais em seus processos ou direito a benefícios que ainda não haviam sido concedidos pela Justiça. Esse número corresponde a 9% dos 310 mil processos analisados pelos conselheiros no período.

Apesar de a quantidade de alvarás de soltura expedidos em decorrência da atuação da CNJ ser muito significativa, não desafogou o sistema prisional brasileiro que, no último ano, recebeu 68 mil novos presos em seus presídios e cadeias públicas.

Alguns presídios operam hoje com o triplo de sua capacidade. De acordo com a legislação brasileira, cada preso deve ter pelo menos seis metros quadrados de espaço na unidade prisional, mas em muitas delas o espaço por detento não ultrapassa 70 centímetros quadrados. Nessa condição de amontoamento, os presos fazem revezamento para poder dormir e convivem de forma insalubre, o que favorece a proliferação de doenças e a violência.

Além da superlotação, a avaliação da CNJ apontou problemas como as péssimas condições de higiene, a falta de assistência médica, o domínio das prisões pelos próprios presos e a divisão do mesmo espaço por adultos e adolescentes.

No Estado de São Paulo, que abriga uma população carcerária de 190 mil pessoas, um terço dos condenados à prisão em todo o país, os integrantes dos mutirões inspecionaram 160 presídios e encontraram situação de assistência médica precária, semelhante a de Estados com orçamentos bem mais modestos como Roraima e Paraíba. A falta de profissionais – médicos, enfermeiros, psicólogos, educadores – e de medicamentos constitui o grande problema.

A todas essas violações, soma-se a ausência de oferta de trabalho e ensino no sistema carcerário, o que impossibilita o processo efetivo de ressocialização do detento – o principal objetivo da execução penal. O emprego, além de oferecer ao preso uma perspectiva concreta de reinserção social, ajuda a reduzir a população nas prisões, já que a legislação permite que a cada três dias de trabalho um dia seja reduzido da pena total. Mas é preciso reformular também a importância da educação nas prisões como condição fundamental do processo de cumprimento da pena e ressocialização.

Um dos eixos da atuação da CNJ é justamente buscar a recuperação e a reintegração dos detentos e, assim, evitar a reincidência. O órgão é responsável pelo programa “Começar de Novo”, que tem como propósito a criação de um banco de dados de oferta de trabalho e capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário, em âmbito nacional, criando parcerias com associações de classe patronais, organizações civis e gestores públicos, para apoiar as ações de reinserção.

Iniciativas como essa são muito bem-vindas, mas não podemos deixar de refletir sobre a reforma dos aparelhos judiciais e do próprio sistema penal, se quisermos reverter a situação de precariedade das instituições carcerárias  brasileiras e fazer com que a aplicação da pena sirva como instrumento de inclusão social e não de aprofundamento das desigualdades.

José Dirceu, 66, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT


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