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2 de julho de 2016
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10:00

Todos perdem com a decisão do Reino Unido

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Sul 21
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brexit-1 (1)Por Germano Rigotto

As consequências da saída do Reino Unido da União Européia ainda estão em curso. É difícil de avaliar toda a extensão dos efeitos dessa decisão. Só teremos uma noção mais exata durante o transcurso desta e das próximas semanas. Ainda na sexta-feira passada, por exemplo, a Libra caiu em 10%, atingindo o menor índice desde 1985. As bolsas despencaram. Um clima de insegurança econômica e política se instalou em todo o planeta.

Mas quem sai perdendo, primeiro, é o próprio Reino Unido. No mínimo, os riscos de que isso ocorra se multiplicaram enormemente. Diversos alertas haviam sido emitidos nesse sentido, mas não convenceram a maioria da população. Especialistas e instituições avisaram que o crescimento econômico seria prejudicado, haveria aumento do desemprego, queda do valor da moeda e uma orfandade em termos de bloco. Bancos locais apontaram a hipótese de recessão. Não é por outro motivo que milhares de arrependidos, que votaram pelo “Brexit”, estão fazendo correntes de assinatura por um novo plebiscito. Agora parece ser tarde demais.

De pronto, haverá também um enfraquecimento econômico de todos os mercados e, em específico, da própria União Europeia. Os países-membros não conseguiram garantir o mesmo estado de bem-estar social que suas populações tiveram durante as últimas décadas. O sonho europeu caiu na realidade. A conta financeira, que foi somando benefícios, não fechou mais. Diversas nações tiveram dificuldades de encarar o problema e colocar reformas impopulares em curso. O clima de instabilidade e hostilidade apareceu. Esse divórcio com o Reino Unido deixa o bloco ainda mais vulnerável.

Mas a incerteza não fica apenas na Europa. Ela chega ao mundo todo, com um grande efeito desagregador. E não é para menos. No mesmo instante em que o Reino Unido decidiu separar-se da União Europeia, diversos países anunciaram semelhante pretensão. O comércio internacional não está preparado para uma alteração maior, considerando que o bloco vai perdendo força. Muitos acordos precisariam ser refeitos. E o Brasil não escaparia desse contexto, pois exportou US$ 33,9 bilhões em produtos para os países da União Europeia, o que soma 17,7% do total das vendas externas no ano.

Mais do que as implicações econômicas, a decisão é um sinalizador de ambiente. Produz uma mensagem negativa em diversos sentidos. O aspecto comercial é só uma das dinâmicas. O gesto reforça também visões segregacionistas e radicalismos, especialmente a xenofobia. Não que quem tenha votado pela saída, de maneira consciente, deseje esse caminho. Mas é inevitável que a votação incentive movimentos, especialmente da extrema-direita, que recusam um tratamento adequado para refugiados. Aliás, a Europa e o mundo ainda não estão devidamente preparados para essa situação. Podemos ter desastres humanitários sem parâmetro se não houver políticas para as populações migratórias.

A reação internacional e dos próprios países membros da União Europeia precisa ser forte à decisão do Reino Unido. Não pode uma atitude tão grave e de tantas consequências ser tratada como mera questão rotineira. A ONU, os Estados Unidos e toda a comunidade influente precisa repudiar a opção escolhida. É lamentável que David Cameron, um líder tão respeitado, não tenha se havido bem na condução do assunto. Ele poderia até mesmo ter impedido a realização do plebiscito, contanto que tivesse adotado outra postura política. Agora, infelizmente, que a separação se consolidou, a reação precisa ser proporcional.

O Reino Unido tinha suas razões pontuais para desejar a saída. Não se trata de discutir a autonomia e a soberania da histórica e tradicional nação. As identidades nacionais precisam ser preservadas. Mas nem a soma de todos os motivos era suficiente para justificar uma ruptura. Não se resolvem os problemas de um país, e muito menos da humanidade, com cisões, segregações, separações, isolamentos e gestos afins. Não estamos na era de construir muros, como alguns paranoicos ainda ousam desejar. É tempo de estabilizar garantias globais, unir os povos, encontrar pontos de convergência, cooperar para crescer. Construir pontes. E isso tudo não é retórica, mas uma possibilidade real – desde que a execução aconteça dentro de uma lógica de tolerância e abertura. O Reino Unido tomou uma decisão, em si mesma, derrotada. Todos perdem.

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Germano Rigotto é ex-governador do Rio Grande do Sul e presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários (www.germanorigotto.com.br)


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