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30 de julho de 2016
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11:30

Blindagem necessária

Por
Sul 21
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Por Germano Rigotto

O Brasil tem dificuldade cultural em separar as funções de governo das funções de administração. Nosso sistema presidencialista reforça essa confusão. Como as duas tarefas são atinentes ao Poder Executivo, tudo parece ser igual. Mas não é.

O governo é o condutor político do processo de governança. Em termos de pessoal, reúne os eleitos e os demais agentes escolhidos para implantar a proposta que foi legitimada pela população nas urnas. É quem define as políticas globais, estabelece as metas e cria o protagonismo político. Já a administração é a estrutura estável do Estado, apartidária, que executa as atividades finalísticas do ente público. Engloba funcionários de carreira e instituições com a tarefa de gerar resultados à população.

As duas dinâmicas são importantes e complementares. Uma subsidia a outra. Não podem, entretanto, como costuma ocorrer, criar óbices e ultrapassar suas próprias barreiras. Quando o governo se intromete na administração, o Estado fica aparelhado e a serviço de causas partidárias. Fere o sentido de serviço ao bem comum. Quando a administração se transveste de governo, o Estado fica prepotente, excessivo e sem legitimidade.

Algumas funções são preenchidas por agentes de governo, mas devem manter o papel ligado à administração. É o caso, por exemplo, da gestão de agências reguladoras, instituições bancárias e outros órgãos que precisam manter estrita observância a regras de mercado, normativas, compliance e sustentabilidade de resultados. Tais tarefas não precisam necessariamente ser exercidas por funcionários de carreira, mas, sem dúvida, devem preencher requisitos técnicos muito claros.

A crise que estamos vivendo no Brasil reflete, em pelo menos uma de suas dimensões, erros graves cometidos nesse tipo de escolha. Basta ver o caso da operadora Oi, uma concessionária pública gigante na exploração de serviços de telefonia fixa e móvel, que acabou de pedir recuperação judicial em virtude de uma dívida que chega a R$ 65,4 bilhões. Se uma concessionária pública chegou a esse ponto de degradação, a fiscalização e a regulação do setor também falharam. O aparato estatal não poderia expor a tamanho risco os mais de 65 milhões de clientes da empresa, bem como os investidores.

O caso mais gritante, e de conhecimento público, é o da Petrobrás. A organização foi loteada como um braço de captação financeira para partidos. Essa ilegalidade se institucionalizou, aderindo à paisagem como se normal fosse. Tamanho absurdo não poderia ter chegado a outro resultado que não a depreciação da companhia e uma série de escândalos de corrupção. A casa caiu, mas levou junto dela a própria credibilidade do país perante os brasileiros e a comunidade internacional. O prejuízo financeiro é de grande monta, mas o de credibilidade é incalculável.

O governo demonstra preocupação em reverter essa prática. Há projetos no Congresso Nacional nesse sentido. Um deles, inclusive, já foi aprovado – a Lei das Estatais, que exige, dentre outros requisitos, experiência do indicado na área que comandará. A escolha do novo comando da Petrobrás confirma o mesmo propósito: o presidente Pedro Parente é um executivo de alto quilate, tanto no setor público quanto no privado. E o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, revela interesse em blindar também direções de bancos públicos, como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES. O mesmo deve ocorrer com agências reguladoras.

Não se pode satanizar a política. Não creio em evolução por meio da visão apolítica. Porém, é preciso mediar e compor adequadamente o leque de relações que envolvem os diferentes papéis do Estado, aí contemplando o governo e a administração. O sucesso ou o insucesso de qualquer gestão se dá, principalmente, na escolha das pessoas. Um time bem formado, equilibrando habilidade política e técnica, com elevação moral, tem tudo para funcionar direito e produzir resultados positivos. Que o Brasil tenha aprendido a lição.

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Germano Rigotto é ex-governador do Rio Grande do Sul e presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários 


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