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26 de fevereiro de 2017
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09:30

Nunca houve um homem igual

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Por Franklin Cunha

“ Se a doença é mais forte do que o doente,não há saída possível e nenhum médico vai curá-lo;se a doença é mais fraca, o doente não precisa de um médico; se a doença é igual ao doente,cabe ao médico fortalecer este último e ajudá-lo a curar-se ”.

Moses Bem Maimon (Maimônides) (1135-1204)

A epígrafe deste texto resume o que foi a filosofia de vida deste grande polímata que combinava filosofia, lógica, teologia, astronomia e medicina. Maimônides, descendente de oito gerações de Rabinos, nasceu em Córdoba, cidade considerada na época como a mãe dos filósofos e a luz da Andaluzia. Sede de uma dinastia árabe era, como outras cidades da Espanha muçulmana, um brilhante centro de cultura e ciência na qual cristãos, judeus e muçulmanos conviviam pacificamente, onde com os mesmos deveres e privilégios, estudavam filosofia, matemática, gramática,botânica, arquitetura, música e medicina.  Roswitha, uma escritora da Saxônia do século X, percebendo em seu remoto convento as excepcionais qualidades e a importância do califado de Córdoba, qualificou àquela cidade como “ O Ornamento do Mundo “.

Em 1148, quando uma outra facção árabe tomou o poder em Córdoba, a família de Maimônides, este já com a idade de trinta anos, teve de se mudar para o Egito. Criou logo grande fama por ter se tornado médico do grão-vizir do sultão Saladino e, em consequência de sua fama foi apontado como chefe da comunidade judaica sob o título de Nagid.

Em 1190, Maimônides publicou mais um de seus grandes livros O Guia dos Perplexos, escrito em árabe e traduzido para o hebraico, destinado a dar uma conceituação racional, lógica e filosófica aos preceitos das escrituras sagradas. Seguindo os preceitos religiosos, não desejava ser lido por qualquer leigo. Obedecia assim aos ditos rabínicos: “Não inquira sobre assuntos que são maravilhosos demais para você;não investigue o que é oculto de você;não questione o que não é permitido a você”. E, estendendo estas máximas à sua conduta como médico, o que refreava a tendência a  pensamentos e práticas onipotentes dizia: “ Oh, Deus, não permita jamais que alguma vez eu me julgue capaz de tudo curar “.

Durante toda sua vida, Maimônides recusou-se a ganhar dinheiro com seus afazeres religiosos e, como tinha que sustentar a família, tornou-se médico profissional.

Maimônides também destacava as doenças psicossomáticas:

A angústia, o excesso de desejo, de paixão, a ganância por dinheiro, ideias obsessivas, não dão paz às pessoas e isto se reflete em todo o organismo“. É esta talvez, na história da medicina, uma das primeiras descrições de doenças que inter-relacionam fatores psíquicos e somáticos.

Vale ainda ressaltar que além de inúmeros e sábios preceitos dietéticos, o grande rabino-médico da Idade Média, foi um dos precursores da Ecologia, pois dizia que “O ar da cidade é estagnante, espesso e prejudicial à saúde, como resultado do acúmulo de detritos, das ruas estreitas, da fumaça e das aglomerações. Devemos pois procurar locais mais adequados, arejados, luminosos e compatíveis com a vida”.

Nos seus preceitos religiosos, considerava o estudo da medicina como atividade religiosa, “uma vez que o corpo sadio é necessário para uma alma sadia e, assim, a Medicina tem o alto propósito de promover a ética e a religião”.

Pode-se enfim dizer que Maimônides não foi somente um médico e um filósofo, mas um filósofo da Medicina e um médico da Filosofia. Sua atitude na prática médica, veio da percepção religiosa que fez da preservação da vida uma ordem divina e por isso, é claro, ele era contrário a quaisquer práticas tendentes a interromper a vida humana, por menor e mais incipiente que fosse.

E nos cabe plenamente concordar com aquilo que, após sua morte, dele diziam seus seguidores:

De Moisés ( o da Bíblia ) a Moisés ( o  Maimônides ) , nunca houve um Moisés igual”.

Talvez os judeus religiosos de hoje, ainda aspirem a volta em cena pública de um homem como Maimônides que traga a tolerância e a paz a entre os povos que habitam o Oriente Médio. Este sonho se tornou impossível depois da descoberta do petróleo pelos ingleses naquela tão rica como sofrida região de nosso planeta.

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Franklin Cunha é médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


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