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16 de janeiro de 2017
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03:09

A revista Sur e uma vertigem horizontal

Por
Luís Gomes
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A revista Sur e uma vertigem horizontal
A revista Sur e uma vertigem horizontal

por Franklin Cunha

Estou folheando o número 349 da revista SUR, comemorativa do seu cinquentenário (1931-1981) e dedicada  à literatura hispano-americana SUR atuou também como editora  e ambas foram fundadas pela escritora e grande estancieira Victoria Ocampo que a financiou durate 48 anos até sua morte.Ela foi uma mulher de importantes realizações intelectuais  e literárias e pertenceu a uma das dinastias mais antigas e ricas da Argentina..

SUR era integrada por um conselho de notáveis personalidade da literatura universal: Ernest AnsermetDrieu La Rochelle, , Waldo FrankPedro Henríquez UreñaAlfonso ReyesJules Supervielle y José Ortega y Gasset e seu conselho de redação era composto por nomes como; Jorge Luis BorgesOliverio Girondo,  Eduardo MalleaMaria Rosa Oliver y Guillermo de Torre.

No seu primeiro número Victoria Ocampo, estabeleceu  a quem  SUR se dirigía:

“Esta revista é a revista de todos que me rodeiam e que me seguirão no futuro. Dos que pensam na. América e nos que são da América. Dos que têm vontade de compreendermos e dos que ajudam a nos compreender”.

Para se avaliar o nivel da revista relacionamos alguns de seus colaboradores: Jorge Luis BorgesAdolfo Bioy CasaresJosé Bianco, Waldo Frank, Walter GropiusAlfonso Reyes OchoaJosé Ortega y Gasset, Pedro Henríquez Ureña, Octavio Paz, Jules Supervielle, Ramón Gómez de la SernaEduardo MalleaErnesto SabatoFederico García LorcaGabriel García MárquezGabriela MistralSilvina OcampoPablo Neruda, entre muitos outros.

Com a orientação firme de Victória , a revista foi vanguardista  e original em sua orientação o que a converteu numa referencia obrigatória na cultura argentina.

Foi publicada até 1992 e o último número, o 371, foi impresso 13 anos depois da morte de sua fundadora.

SUR foi um espaço de debates e polêmicas de autores consagrados  que se  rivalizaram  por vaidades e por amores conquistados ou contrariados. A modernidade das letras e das artes se refletiu na revista graças ao seu prestígio editorial e também pelo financiamento generoso de Victória.Na sua parte editorial, SUR  publicou obras de autores de vanguarda da literatura mundial como Garcia Lorca ,Juan Carlos Onetti, Alfonso Reyes Ochoa, Horacio QuirogaAdolfo Bioy CasaresAldous HuxleyCarl Gustav JungVirginia WoolfVladimir NabokovJean-Paul SartreJack Kerouac e Albert Camus.

Orientação política e filosófica

Segundo  o qualificadíssimo ensaísta Juan José Sebreli, a revista Sur adotou em sua primeira época uma orientação liberal e nacionalista. Borges, naquela altura estava em sua etapa criolista e escrevendo sobre  poesia gauchesca. Um dos expoentes de orientação nacionalista foi Ezquiel Martinez Estrada autor de um excelente libro: Radiografia de la pampa (1933)uma lúcida interpretação da economia “ganadera da la pampa argentina“ o qual sempre recomendo aos meus amigos ligados ao mesmo tipo de economia  ( embora tenho dúvidas se algum deles o leu).

Ao lado do grupo de escritores que abordavam os temas nacionais e sulamericano, Sur também acolhia destacados nacionalistas como Lepoldo Marechal, Carlos Astrada, Ramon Doll, Julio Irazustra . Este escreveu um texto , referindo-se às reuniões na elegante casa de Victoria Ocampo, notando que “naquelas tertúlias os escritores liberais se altercavam com os nacionalistas em um ambiente de convivência civilizada”. Em 1933 Irazustra comentava que o comunismo de Waldo Frank, colaborador de Sur,coincidia com os nacionalistas em seu ódio à burguesia.

Em julho de 1939 houve um debate originado por uma nota apócrifa publicada em Sur – atribuída a Borges ou a Sabato –que ridicularizava  “ la hispanidad retinta “ de Sol y Luna. Outro colaborador da revista,Ramon Doll,  em sua revista El Pampero, fustigava Victoria Ocampo afirmando que Sur era um “ bazar de importados “.

A própria Victoria, inicialmente adepta do fascismo ( tanto que teve entrevistas privadas com Mussolini e com o Papa Pio XII), diante da Segunda Guerra Mundial,  manifestou apoio aos Aliados ao passo que  outros escritores de Sur , os nacionalistas e os católicos tinham simpatia pelos países do Eixo, embora sob a capa de uma posição neutralista que, aliás, foi a adotada por todo o governo,  imprensa e empresas argentinas.

Enfim, SUR foi uma admirável revista cultural,mais admirável por ter sido financiada por uma rica estancieira durante 48 anos, fatos que não se observam nos espaços culturais de nosso país. Nunca tivemos  uma publicação do nível de SUR e também nunca tivemos uma rica estancieira do nível cultural de Victoria Ocampo, embora as  tenhamos do nível de riqueza da escritora e mecenas argentina.

Historinha final  e moral da história

Entre os colaboradores e namorados de Victoria houve um, colaborador de SUR de nome Drieu la Rochelle. Era um intelectual ideologicamente da direita, fascista mesmo, um autêntico  dandi parisiense que encantava todas as mulheres que dele se aproximavam, inclusive Victoria. Nasceu em 1893 e se suicidou em março de 1945 uma semana antes da libertação de Paris da ocupação nazista. Com Victoria ele manteve um longa correspondência apesar de suas divergências ideológicas.

Há relato de uma visita que fez a Buenos Aires, quando Victória o levou a visitar uma de suas imensas estancias em pleno pampa argentino. Planícies que se perdiam de vista e de onde não se avistava nenhuma elevação de terreno por centenas de quilômetros.  Drieu que nunca tinha montado um cavalo,  nunca tinha  visto uma extensão de terra tão imensa e com um horizonte tão extenso, desmaiou e caiu do cavalo. Socorrido por Victoria e outros convidados da revista SUR, ao recuperar os sentidos e indagado o que lhe  acontecera respondeu que tinha sofrido “ uma vertigem horizontal”.

  • O originalíssimo  termo de Drieu, se aplica ao se olhar o  horizonte cultural da atualidade brasileira, especialmente das privilegiadas categorias sociais que desde o descobrimento usufruem da imensa riqueza do país. Relatei a história da revista SUR para tentar explicar a evolução cultural de nossos vizinhos que gozaram de um período de brilhantes escritores, de ensaístas de qualidade , de grandes editoras, de livrarias em cada quadra  ( J.L. Borges: “ Buenos Aires é uma cidade de livrarias e restaurantes”), e de uma  rica e culta  classe média. Só depois disso é que a TV e a mídia de baixa qualidade começaram também a atuar como formadoras da opinião pública.
  • A diferença que nos causa vertigens é que nós  passamos diretamente da condição de um generalizado analfabetismo para as TVs e as mídias de qualidade mais do que infantil,  primária, deformadora intelectual e desinformadora da realidade política e econômica do Brasil e do mundo.
  • E disso estamos sofrendo as graves consequências vistas no panorama atual do pensamento e das atuações das classes dirigentes.

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Franklin Cunha é médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


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