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17 de maio de 2016
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10:00

Abridores de latas

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Abridores de latas
Abridores de latas

Abridor_de_latas_Viel__50165_zoomPor Franklin Cunha

Os jornais da semana ao reproduzirem resultados de estudos científicos nos informam que a vitamina C prescrita durante décadas e   que tanto lucro deu para indústria farmacêutica, não modifica o curso e a evolução de gripes e resfriados. Outra advertência também está sendo noticiada de que o ácido fólico, rotineiramente ministrado como antianêmico em gestantes, poderia causar autismo nas crianças geradas sob a ação desse fármaco. Lembrei-me então de um texto escrito há mais de dez anos.

Em 1812 os soldados britânicos levavam nas mochilas latas de conserva, mas tinham de abri-las com a baioneta, caso não conseguissem um tiro de fuzil resolvia o problema, mas perdia-se parte ou todo o conteúdo da lata. Em 1824, o explorador inglês Sir William Parry, também as levou na sua viagem ao Ártico. Nelas lia-se a seguinte recomendação: “Corte-se com formão e martelo, ao redor da parte superior”.  

A lata de conserva foi inventada na Inglaterra em 1810 pelo comerciante Peter Durant, no entanto o abridor de latas só foi inventado quarenta anos após pelo norte-americano Ezra Warner.Era um instrumento rombudo e pesado. Havia também o risco de perder-se o conteúdo  como com o tiro de fuzil britânico.

A história parece absurda, mas é verdadeira. Como foi possível inventar a lata de conserva tanto tempo antes de se inventar o instrumento que as abrisse?

No entanto, ultimamente, as mais confiáveis publicações médicas do mundo, andam preocupadas com um fenômeno semelhante que está ocorrendo na produção e divulgação científicas: existem no mercado muitas latas cheias de informações, só que não podem ser abertas com longas baionetas ou com rombudos formões.

Deve-se usar um abridor adequado para cada lata e muitas delas contém produtos inapropriados ao consumo.

Editam-se, atualmente, publicações médicas em quantidades oceânicas. Qual o abridor, qual o critério para se avaliar o valor e a integridade científica dos conteúdos, já que a seleção torna-se imperiosa diante da exiguidade de tempo dos profissionais médicos?

Além disso, vivencia-se hoje, – e não apenas na área médica – uma verdadeira guerra de informações que necessitam ser criticamente interpretadas, pois nelas se baseiam as decisões clínicas (e políticas) e, em última  análise, a saúde e a vida dos pacientes.

Acontece que os textos médicos, frequentes vezes, estão de tal forma contaminados por implicações econômico-financeiras, que já se realizam simpósios, os quais  ensinam como valorizar os referidos textos ou como separar o joio dos interesses econômicos do saudável  trigo da genuína informação científica. Um simpósio, foi recentemente realizado na Universidade de Oxford, Inglaterra. Nele, foram criticamente examinados, os vários métodos de se realizar e julgar a validade de trabalhos científicos (ou assim chamados).

Os resultados e as conclusões do referido simpósio, forneceram justificadas preocupações.

Não houve acordo sobre o melhor método de se elaborar um trabalho científico e de como dar crédito à  sua validade.

Ao se medir a qualidade dos trabalhos (desenho, condução, consistência de resultados e relevância clínica), não ficou claro como isto deve ser feito. Combinações baseadas em evidências, revisões sistemáticas e aleatórias, seria o sistema quase perfeito, mas não há meios nem tempo hábil de executá-lo em todos os inumeráveis textos.

O simpósio de Oxford, não chegou a um consenso a respeito de qual o melhor método de se avaliar a literatura médica, no entanto num ponto houve acordo: em certas avaliações clínicas, as conclusões resultantes parecem depender apenas das ligações econômico-financeiras dos avaliadores com empresas de medicamentos e de equipamentos.

Foi também oportunamente lembrada e recomendada a realização de revisões que levem em conta as perspectivas dos pacientes, seu tipo de trabalho, hábitos sociais,  a qualidade de vida e os custos econômicos  e sociais resultantes de certas terapêuticas que vêm e vão como as roupas da estação e como certos bestsellers literários.

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Franklin Cunha é médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


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