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13 de abril de 2016
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10:06

O poder mágico e destruidor da palavra

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Sul 21
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O poder mágico e destruidor da palavra
O poder mágico e destruidor da palavra

poder-das-palavrasPor Franklin Cunha

Está didaticamente descrito numa parábola de Jorge Luis Borges, o poder absoluto do Estado e sua labiríntica estrutura, construída para mantê-lo funcionando,mas  que depende da significação virtual,real  ou mágica das palavras.

Leiamos, de memória, Borges creio que publicado no volume El Hacedor.

O Imperador Amarelo é dono todo poderoso do infinito palácio, mas o verbo, a palavra podem destruí-lo ou o que é pior, denunciar a falácia de sua existência. A palavra secreta só era conhecida pelo Sumo Sacerdote que a pensava poética e  solitariamente em suas orações. Numa visita ao encantador palácio, situado numa cidade com complexos labirintos e templos suntuosos, o poeta que acompanhava o Imperador, ao recitar um poema, inadvertidamente pronunciou a palavra mágica. Fez-se então um espesso silêncio quando então  o Imperador exclamou:” Me arrebataste o palácio “, logo  este  se desfez e a espada do verdugo decepou a cabeça do poeta.

Borges conclui que no mundo não podem coexistir duas coisas iguais, bastou que o poeta pronunciasse a palavra mágica para que desaparecesse o Palácio, como que abolido, fulminado por ela.

Daqui, seguimos sem Borges. Entre os antigos egípcios, cada pessoa recebia dois nomes, um, pequeno, um apelido que era conhecido por toda a comunidade e um nome verdadeiro, ou grande, que para resguardo, se o ocultava. Para o primitivo pensamento mágico, os nomes não são símbolos arbitrários, mas denominações que definem vitalmente seus portadores .

Os maoris australianos recebem nomes secretos que não podem ser conhecidos pelas tribos vizinhas para que não os submetam  a operações mágicas que poderão enlouquecê-los, escravizá-los e até matá-los. Nas injúrias e calúnias pessoais de hoje, perduram essa superstições, pois não toleramos que nosso nome se vincule a certas palavras que poderão nos prejudicar. Mas os homens, diz Levi Strauss, necessitam mais de denominações e classificações do que de crenças e assim insistem em definir a todos e  a tudo. E quando Lineu elaborou sua classificação zoológica, não imaginou que com ela  se iniciava uma  metódica e célere extinção de espécies animais: a nomeação de um ser vivo, dá início a um processo de sua domesticação, de dominação para nossa utilização e consumo.

Na moderna ciência  linguística, Saussure, Benveniste, Lacan e outros, discutem insistente e permanentemente qual o verdadeiro e autêntico valor da palavra, isto é, o significante, a palavra escrita  ou fônica  e seu significado real. Para Saussure  a escolha dos significados das palavras  é arbitrária. Mário Quintana n Caderno H  escreveu que se um dia o colibri passasse ser chamado elefante e este, colibri, com o tempo ninguém estranharia esta arbitrariedade semântica. Parece, pois, que não há motivação aparente na denominação dos objetos. Benveniste, por sua vez, falando sobre a natureza do signo linguístico, afirma que a relação que se estabelece entre a palavra  e  seu significado é a necessidade e não o arbítrio. Os esquimós têm 40 palavras para significar “neve “, pois vivem nela e dela. Os americanos do norte  têm 120 vocábulos para expressar “ dinheiro “,pois vivem dele e nele. Damos nomes às coisas, aos animais, aos sentimentos, pela necessidade de nos fazer entender e/ou para nos apossarmos das coisas, dos animais, das pessoas.Lacan, ao unir a linguística à psicanálise, introduziu na interpretação do significado das palavras as experiências pessoais prévias, o subjetivismo, o inconsciente do falante. A cor branca nos proporciona sentimentos de paz, de serenidade, mas não para quem numa tempestade de neve ficou perdido, enterrado e quase morreu numa avalanche alpina.

A palavra “ árvore “ significa algo bom, agradável para quem um dia , sentado sob uma, declarou seu amor, foi correspondido e beijado pela sua primeira namorada. Mas, certamente não sente as mesmas sensações quem vivenciou uma única vez um episódio de  que durante forte tempestade e tentando se abrigar sob uma frondosa figueira  do campo,  quase morreu sob um estrondoso e fulgurante  raio.

“ Nenhum poder,um pouco do necessário saber,um pouco de sabedoria e o máximo possível de sabor “.

No momento a palavra é “ golpe “.  Talvez, para interpretá-la, este escriba necessite as condições que Roland Barthes adotou  como maneira de ser e de viver ao pronunciar sua aula inaugural  no Collège de France, ele que com 55 anos se considerava velho.

Hoje, mais velho  do que Barthes  na ocasião  de sua aula, devo,premiado que fui pelo tempo,  com “ um pouco de sabedoria  e de necessário saber “, acompanho o pensamento de Lacan ao incluir o psiquismo  de quem, por exemplo se diz democrata e prega um estupro no poder legalmente instituído e dizer  claramente que algo,  espessa e pesadamente patológico deturpa sua interpretação  subjetiva da realidade. E isso em psiquiatria tem um bem definido nome que como a palavra secreta e mágica do poeta do Imperador Amarelo  poderá destruir o Palácio. E até o Império.

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Franklin Cunha é médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


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