Em 1921, Walter Benjamin, comprou em Munich o quadro intitulado Angelus Novus de autoria do pintor expressionista suíço Paul Klee. Benjamin foi um ensaísta, crítico literário, filósofo e sociólogo marxista judeu-alemão pertencente à Escola de Frankfurt. O quadro que o fascinava, tornou-se uma referência para vários de seus escritos. Nele se vê um anjo que, olhando para trás, parece querer fugir de algo sobre o qual dirige seu olhar.Tem os olhos arregalados, a boca e as asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspéto. Seu rosto está voltado para o passado e nele vislumbra uma cadeia de acontecimentos catastróficos que o assustaram.
A leitura que Benjamin fez do quadro, é a da catástrofe que se abatia no âmago da cultura européia do seu tempo. Ela estava abrindo as asas ante seus olhos.Não era preciso buscá-la no passado. Estava acontecendo naquele exato momento.A presença da catástrofe, a proximidade do Apocalipse nazi-fascista, condicionou a interpretação do quadro por Benjamin a qual anulava toda a iidéia progressista da história. A noção de Progresso continuado, típica da modernidade, do iluminismo, da filosofia das luzes, encontrava-se ferida de morte.
Na mesma época, com os mesmos sentimentos de Benjamin, Theodor Wiesengrund Adorno,um meio-judeu alemão, seu companheiro de Frankfurt, pronunciou uma frase contundente: “ Não se pode mais escrever poesia depois de Auschwitz”.
E mais: “Auschwitz demonstrou irrefutavelmente o fracasso da cultura “
Assim observamos, que uma das condições para a criação dos campos de extermínio humano é, precisamente, o monopólio estatal da violência. Nas engrenagens do Estado encontramos efetivamente a origem de todos os genocídios do século XX.
A pergunta que se impõe é esta: que quadro, que obra de arte, poderia representar as tragédias do século 20? O Angelus Novus e Guernica, por exemplo, não mais têm a ccontundência e a força de nos impressionar e de interpretar a história.
As catástrofes genocidas do Vietnam ,do Afeganistão, do Iraque, de Kosovo,de Gaza, da fronteira mexicano-americana e porque não, das nossas cidades e estradas , todas surgidas no cerne dos estados modernos, talvez sejam fielmente representadas pela a outrora denominada “sétima arte” , hoje em estado agônico.Na verdade, o cinema de Bergman, Fellini, Kurosawa, Buñuel, John Ford, Billy Wilder,Tarkovski,Chaplin já não mais existe. O que assistimos agora é a violência sem limites de filmes de cem milhões de dólares, adornados com os tais efeitos especiais que de especial nada tem de ético e de estético. E vistos numa escala avassaladora e permanente tanto nos telões como nas telinhas introduzidas em todos os lares e para todas as idades.
Pobre Walter Benjamin que não aguentando a trágica realidade da violência nazi-fascista, se suicidou em Portbou, em 27 de setembro de 1940.
Pior está a acontecer conosco que sem percebermos claramente a gênese da violência contra seres humanos e contra a natureza, nos conduzirá para um suicídio coletivo e para um ecocídio sem volta, fatos que a arte atual não reproduz nem denuncia na exata medida da gravidade de nosso futuro.
Agora, lembrando os 70 anos da morte de Walter Benjamin, em sua homenagem, lamentamos sua morte e tristemente lembramos as acertadas premonições que ele fez ao interpretar o Angelus Novus de Paul Klee.
Franklin Cunha é médico