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21 de setembro de 2020
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10:34

Redistribuição vergonhosa da carga fiscal bate no Teto

Por
Sul 21
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Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. (Isac Nóbrega/PR)

Flavio Fligenspan (*)

Está muito difícil a relação entre o Presidente e o Ministro da Economia. O primeiro se vê pressionado por vários fatores, sendo que a tentativa de angariar apoio para a reeleição rege todos os demais. Mas a lista é longa e inclui a intenção de criar um programa que substitua o Bolsa Família, a impossibilidade política ou a falta de vontade de taxar os mais ricos e o cuidado em não diminuir a renda dos aposentados e dos beneficiários de programas como o BPC. A pandemia trouxe mais um problema, e este é dos grandes, como fazer o “desmame” do auxílio emergencial sem perder popularidade? Quase impossível.

À medida que os escândalos familiares apareceram com força na imprensa e o auxílio emergencial trouxe um apoio tão grande quanto inesperado das camadas de baixa renda, criou-se uma dependência política deste programa e de suas consequências positivas nas pesquisas de opinião. Contudo, como se sabe, o programa só tem sentido em caráter emergencial e é muito caro. A idéia de aplicar um redutor de 50% no valor do auxílio e estendê-lo por mais quatro meses, até dezembro, é correta. Porém, dezembro está logo ali e a virada para 2021 ainda encontrará um nível de atividade deprimido e uma taxa de desemprego muito alta, gerando um ambiente bem ruim na sociedade.

O IBGE divulgou na semana passada uma primeira amostra do que vai ser o clima com o tema do desemprego. Bastou algumas cidades importantes começarem a relaxar o distanciamento social e reabrirem as atividades econômicas para as pessoas saírem do isolamento em busca de ocupação. A PNAD já captou o movimento, que era esperado, de muita gente à procura de ocupação e poucas vagas abertas, resultando num salto no número de desocupados e um pulo na taxa de desemprego. Passo seguinte, as empresas logo vão oferecer ocupações ainda mais precárias, com contratos intermitentes e com rendimentos menores do que os do início do ano. Duas consequências emergem daí, insatisfação popular e pequena expansão da massa de rendimentos, o que não ajuda a retomada da economia.

Por seu lado, o Ministro também enfrenta as suas pressões. A maior delas é o apego ao dogmatismo fiscal, com a necessidade auto imposta – a ele, à sua equipe e ao Governo – de gerar resultados positivos das contas públicas, mesmo numa situação de economia fragilizada. É justamente o momento mais difícil de chegar a bons números, porque uma atividade deprimida não gera receita com impostos. E também é o momento mais inapropriado, pois o que se precisa agora é mais ação do Estado para recuperar a atividade. Mas dogmas são dogmas e é muito difícil a gente se livrar deles. São como alicerces do pensamento e da conduta; se abrirmos mão deles sem boas escoras auxiliares, o edifício cai.

Veja-se que neste caso, do dogma fiscal, nem que o Ministro quisesse – e não quer – não adiantaria aumentar a taxação das camadas de mais alta renda, super beneficiadas pela legislação tributária brasileira e pela escandalosa distribuição de renda, visto que a “Lei do Teto” não permitiria gastar o que se arrecadasse a mais, para ajudar a tirar o País da crise. Estamos amarrados, até porque o Ministro sempre vendeu a idéia da contenção fiscal em caráter absoluto, independentemente das circunstâncias, como pedra angular de sua política e muita gente poderosa comprou a idéia, seja a grande imprensa, seja o mercado financeiro.

Diante destas diversas pressões, do Presidente e do Ministro, e da dificuldade de equacioná-las em conjunto, criou-se uma tensão importante no Governo, com um claro enfraquecimento do Ministro, a ponto de se especular sobre sua saída. O Presidente pede soluções populistas que implicam gastar mais e o Ministro não aceita piorar os resultados das contas públicas. Daí começa o jogo de empurra, em que as contas são feitas e refeitas várias vezes, para tirar recursos de um programa que beneficia pobres para realocar em outro que ampara outros pobres. O Presidente saca uma frase de efeito, pré pronta, em que diz que não vai tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. A pergunta seguinte, óbvia, é: então porque não tira dos ricos para financiar os benefícios aos pobres?

Mas nem isso adianta, porque a “Lei do Teto” veda aumentar a despesa, logo, nem tendo dinheiro se resolve o problema. Criou-se o impasse. Enquanto isso setembro já terá auxílio reduzido para R$ 300 e popularidade caindo em proporção, e 2021 já está chegando com taxa de desemprego nas alturas e nível de atividade raquítico. Os personagens dessa história terão que resolver esse impasse. Um deles sairá perdendo. Eu aposto na flexibilização do teto.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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