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6 de julho de 2020
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12:43

O confronto entre a ala militar e o Ministério da Economia

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Sul 21
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O confronto entre a ala militar e o Ministério da Economia
O confronto entre a ala militar e o Ministério da Economia
Foto: Marcos Correa/PR

Flavio Fligenspan (*)

É sabido que o Governo Bolsonaro é composto de várias alas que carecem de coordenação. Há a ala militar, a dos seguidores de Olavo de Carvalho, a da visão fiscalista da economia, a dos evangélicos e a dos filhos do Presidente, sendo que algumas se sobrepõem em alguns momentos e de acordo com o jogo de interesses da conjuntura política. Para complicar, recentemente se agregou ala do Centrão, conhecida por suas características muito próprias. Grupos de interesse sempre existiram em todos os governos; a questão aqui é a falta de coordenação, reflexo da falta de capacidade e da ausência de rumo para o País, o que se complica quando os diversos grupos disputam espaço de forma acirrada e sem respeito a regras.

O poderoso Ministério da Economia tinha, desde o início do Governo, um projeto bem definido baseado numa visão específica sobre o Brasil. O primeiro ano mostrou como é difícil operar este projeto, especialmente pelo ambiente político conturbado fabricado pelo próprio Governo, e o crescimento foi de apenas 1,1%, ainda menos que o do biênio 2017-2018 (1,3% cada ano), resultados já bem ruins. O Ministério dizia que 2020 seria o ano da retomada e havia quem acreditasse nisso, mas a pandemia desmanchou qualquer possibilidade de recuperação. Pelo contrário, agora as previsões mais otimistas são de uma queda do PIB de 6% em 2020, seguida de uma lenta retomada nos dois anos seguintes. Para quem, no final de 2019, sequer tinha recuperado o nível de produção anterior ao da recessão iniciada em 2014, as previsões atuais são muito ruins.

O fato é que, com a pandemia e a semi paralisação da economia, todos os parâmetros mudaram. E isto que nem se sabe ainda quando a atividade recuperará um nível perto do anterior. Assim que a economia brasileira pensada pelo Ministério antes da pandemia não existe mais, logo muito do que se planejou até o início deste ano também não vale mais. Mas o Ministro continua insistindo com o mesmo diagnóstico e os mesmos projetos do início do Governo, em 2019, a saber, as reformas estruturais com o mesmo formato; a carteira de trabalho verde amarela, já derrotada no Congresso; o arrocho fiscal; e a reedição da CPMF, que quase ninguém aceita, incluindo o Presidente.

A ala militar, cumprindo seu papel no jogo de forças, desde o início da pandemia entendeu que os planos do Ministério não iriam entregar o crescimento que vamos precisar quando passar o efeito do auxílio emergencial e a taxa de desemprego se elevar muito e rapidamente, na mesma proporção em que vai cair o apoio das camadas de baixa renda ao Presidente. Já há projeções de desemprego próximo a 20% no momento em que o auxílio cessar e a população voltar a procurar trabalho num ambiente de economia deprimida, o que deve ocorrer entre setembro e outubro.

Foi por isto que surgiu, sem muita organização, a proposta do Plano Pró Brasil, lançada no final de abril na famosa reunião do dia 22. O Plano da ala militar, somada aos Ministérios do Desenvolvimento Regional e da Infraestrutura, previa uma atuação direta do Estado em investimentos capazes de gerar emprego e renda, alavancando o investimento privado em bens de capital e no setor de construção civil. Duramente atacado pelo Ministro da Economia na reunião, o Plano foi deixado de lado, mas agora começa a reaparecer discretamente. Na semana passada, o Ministro da Infraestrutura voltou a falar em um bloco de investimentos públicos a serem acionados neste segundo semestre do ano, de cerca de R$ 4,5 bilhões, associado a uma nova rodada de concessões, leilões e renovações de contratos de estradas, ferrovias, portos e aeroportos.

Na disputa por espaços políticos no coração do Governo, a ala militar se coloca com mais sensibilidade econômica, política e social que o Ministério da Economia; interpreta a conjuntura com mais correção e tenta apontar um caminho óbvio para diminuir o enorme problema do desemprego que está prestes a estourar. O Ministro da Economia, que já chamou o Pró Brasil de PAC, para desqualificá-lo, vai reagir. Veremos como mais esta disputa vai se desenrolar nos próximos meses dentro do Palácio do Planalto.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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