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29 de junho de 2020
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12:20

Uma nova dinâmica da dívida pública com juros baixos

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Sul 21
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Uma nova dinâmica da dívida pública com juros baixos
Uma nova dinâmica da dívida pública com juros baixos
Dívida pública pode alcançar a marca psicológica dos 100% do PIB. (Foto: EBC)

Flavio Fligenspans (*)

Como se sabe, a pandemia tem exigido um aumento grande e inesperado dos gastos públicos neste ano de 2020. Por mais que a equipe econômica seja avessa a aumentar o gasto e oferecer apoio a necessitados, o isolamento social deixou milhões de pessoas sem renda e milhares de empresas sem receita, especialmente as micro e as de pequeno porte. Isto fez com que crescessem muito as previsões para o déficit (10% do PIB) e para a dívida pública (95% a 100% do PIB). Como a urgência está posta, não há muito a fazer. Até mesmo as regras rigorosas para as contas públicas foram relaxadas, como a meta de déficit anual, a regra do teto dos gastos e a regra de ouro.

Mas já começou o debate sobre o pós pandemia. Os defensores de normas rígidas de administração das contas públicas se mostram especialmente preocupados em voltar rapidamente ao padrão anterior à pandemia, em que se buscava um ajuste fiscal rigoroso. Assim, por exemplo, se fecha qualquer brecha para estender os auxílios a famílias e a empresas para o ano de 2021, ainda que se saiba que os efeitos econômicos negativos deste tempo excepcional não vão cessar com a virada do ano, o desemprego será elevado e as empresas vão faturar bem menos.

Assusta muito a trajetória da dívida pública, esta variável que pode alcançar a marca psicológica dos 100% do PIB. Sabe-se que este percentual, em si, é importante, mas não diz tudo. Na verdade, ele representa uma grande síntese e, como tal, esconde muitas informações relevantes, como o tempo médio de vencimento dos títulos, quem são seus detentores, quais são os indexadores que remuneram os diferentes tipos de títulos e qual é a taxa média de juros que incide sobre a dívida. De qualquer forma, a excepcionalidade do contexto da pandemia fez a dívida ficar quase do tamanho do próprio PIB brasileiro e trouxe enorme frustração ao Ministério da Economia, que buscava uma redução da relação dívida/PIB, anunciando isto como um grande objetivo desta gestão.

Diante da reversão de expectativas, restou anunciar um enorme esforço para voltar à rota anterior a partir de 2021, o que trará a necessidade de arrocho no gasto e aumento de tributação. E, considerando-se que 2021 será o terceiro ano do mandato, na visão do Ministério da Economia não haverá mais tempo para oferecer resultados, isto é, o arrocho terá que se efetivar logo, e com força.

Ora, o que não está sendo levado em conta é que o inevitável aumento da dívida desde este ano de 2020 está sendo acompanhado de uma significativa redução da taxa de juros básica da economia, o que já vem ocorrendo desde 2016, num processo que poderia ter sido acelerado pelo Governo Temer sem causar nenhum prejuízo à administração da política econômica. O fato é que chegamos neste momento à menor taxa de juros da nossa história e, se é verdade que a dívida cresceu muito, também é verdade que a taxa que vai incidir sobre ela é bem menor, algo próximo de 2% a 3% ao ano.

Assim que o montante de juros que será pago pelo setor público aos detentores da dívida pode não se alterar ou variar pouco. Veja-se, por exemplo, que em 2014 a Selic média foi pouco superior a 14% e o montante de juros pago foi de R$ 351 bilhões. Já em 2019, com uma dívida maior, a Selic média foi de 6% e o montante de juros foi de R$ 339 bilhões. A partir de 2020, o sistema de metas de inflação está determinando uma taxa de juros ainda menor, o que joga a favor da conta de juros da dívida pública. É claro que um estoque de dívida em alta representa uma força no sentido contrário, mas interessa o resultado final, que é o montante de juros pago anualmente.

Neste momento não há nenhuma previsão explosiva para a conta de juros anual. O Relatório Focus do Banco Central prevê para os próximos anos valores parecidos ou até menores que os vigentes até 2019. Só em 2023 é que a conta de juros passaria a crescer novamente. Ou seja, mesmo diante do aumento de gasto necessário para atender as vítimas da pandemia (famílias e empresas), não se verifica uma trajetória explosiva, desesperadora e que cause desconfiança sobre a solvência do Estado, com movimentos de fuga dos financiadores.

Tal situação faz lembrar o debate de anos atrás sobre o medo que deveríamos ter de rebaixar a taxa de juros, porque tal ação afugentaria os financiadores do Estado – os aplicadores de recursos em títulos da dívida pública. Pois bem, a taxa caiu bastante e os financiadores continuam aplicando recursos em títulos públicos. Muitos foram buscar maior rendimento, aceitando mais risco em outros segmentos do mercado financeiro, aliás, num movimento saudável para o funcionamento da economia brasileira, mas não há neste momento crise na rolagem da dívida pública.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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