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8 de junho de 2020
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14:17

A eficácia macroeconômica dos programas emergenciais

Por
Sul 21
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A eficácia macroeconômica dos programas emergenciais
A eficácia macroeconômica dos programas emergenciais
(Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Não faz parte do ideário do Ministério da Economia apoiar e/ou incentivar setores econômicos ou parcelas específicas da sociedade. Pelo contrário, a orientação desde o primeiro momento foi propor ajustes horizontais, isto é, medidas que ofereçam melhores condições para o tecido social e empresarial em geral, sem beneficiar ou favorecer diretamente algum agente ou um grupo de agentes econômicos em particular. Outra orientação tida como de raiz foi a melhora intensa dos resultados das contas públicas, aprofundando o que Temer já havia começado, sempre em busca da redução da relação entre a magnitude da dívida pública e o PIB, a despeito das consequências sociais desta premissa num país pobre e com profundas desigualdades, em que a população da base da pirâmide é tão dependente da assistência do Estado.

Estabelecida a pandemia, o Ministério se viu obrigado a interromper seus planos e sua forma de atuação para socorrer segmentos específicos da sociedade, parcelas da população e setores econômicos com mais dificuldades diante da necessária interrupção das atividades. Programas diversos foram organizados na pressa e a contragosto. Seja em função da urgência, sejam por erros de concepção, muitas coisas saíram erradas e problemas de toda ordem logo apareceram.

Assim, por exemplo, o programa de auxílio emergencial para pessoas com ocupações informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados teve enormes dificuldades com a verificação da população elegível: cadastros públicos que não se “conversavam”; muita gente simplesmente desconhecida do Estado – o que deu margem a fraudes – e pessoas muito necessitadas que ficaram sem o auxílio; além de um número total de requerentes muito acima do inicialmente projetado. Como o Congresso modificou a proposta inicial do Governo, que era de apenas R$ 200 por mês, e como o número de beneficiários foi bem além do que se pensava, o programa tornou-se caro – R$ 50 bilhões por mês – e se transformou num problema politicamente sensível.

Hoje já estão claros a necessidade de sua prorrogação e o apoio popular que o programa rendeu ao Governo nas camadas de baixa renda, exatamente no momento em que este apoio foi perdido nas camadas de alta renda, mas o Ministério faz contas para não levar adiante tão elevado gasto. Isto fez com que a proposta atual seja de expandir o auxílio por apenas mais dois meses, na esperança de que as condições sanitárias permitam a volta às atividades, e com valor reduzido pela metade (R$ 300 por mês).

Certamente haverá um embate político dentro do Governo nos próximos sessenta dias para ver como se desvencilhar do programa, ou seja, na visão fiscal, como se desvencilhar do problema. Para tornar tudo mais difícil, o programa emergencial reabriu o antigo debate sobre um projeto de renda permanente para a população carente, mas as metas fiscais exigiriam uma revisão de todos os programas de atendimento à população de baixa renda, com avaliação, cortes e remanejamentos, e não há tempo político para isto. O fato é que a base da pirâmide, especialmente quem está fora do mercado formal, vai continuar necessitando de auxílio governamental, até porque as projeções de retomada da economia são muito ruins, o que bloqueia a recuperação da ocupação e da renda deste segmento da sociedade.

Outro programa governamental é o que nasceu para financiar parte da folha de pagamento das empresas durante o período de distanciamento social, em que as atividades seriam paralisadas e o faturamento cairia a zero ou a valores próximos disto. A contrapartida para quem tomasse estes recursos seria não demitir os trabalhadores e foi esta condição que fragilizou o programa, pois as empresas tiveram medo de assumir o compromisso e depois não conseguirem pagar. O receio se baseava, corretamente, na hipótese de que a volta das atividades se desse em ritmo lento, seja pelo temor dos consumidores quanto à questão sanitária, seja pela natural revisão para baixo dos padrões anteriores de consumo. O retorno às atividades, que ninguém sabia ao certo quando seria, traria o compromisso do empréstimo assumido meses atrás, uma folha de pagamento cheia e um movimento fraco. Quem fez este raciocínio prudente fugiu do programa e tentou demitir logo ou pouco depois da paralisação, entre abril e maio.

Em mais um exemplo de fracasso, o programa de crédito para capital de giro das micro e pequenas empresas (Pronampe), não decolou. No projeto o Governo se responsabilizava por até 85% do risco e os bancos financiadores arcavam com os 15% restantes. O problema é que o sistema financeiro pedia garantias que as empresas não tinham como oferecer. Na situação especial em que as vendas paravam e a expectativa de retorno era incerta, nem a garantia usual para os estabelecimentos de pequeno porte – as receitas futuras com a venda por cartões – eram aceitas pelo sistema financeiro. O fato é que a incerteza e o risco cresceram muito e os bancos recuaram, o que causou fechamento de empresas, dispensa de pessoal e um provável efeito em cadeia de inadimplências de pessoas físicas e jurídicas cuja magnitude ainda deve se verificar.

Nos três exemplos citados, do auxílio emergencial, do crédito para folha de pagamento e do crédito para capital de giro, parece claro que o desenho dos programas foi falho e/ou insuficiente e os ajustes foram ou estão sendo tardios. A impressão que passa é que, mesmo diante da amplitude da crise sanitária e econômica, sempre esteve mais presente a preocupação original com o lado fiscal. O resultado desta “economia” é que a redução do consumo de massas, o aumento do desemprego e a quebradeira de empresas vão acabar produzindo uma queda do PIB maior do que seria se o Estado utilizasse programas com mais foco e assumisse mais riscos diretamente via Tesouro, tal como outros países fizeram sem hesitação. Na situação do crédito para micro e pequenas empresas, por exemplo, o Tesouro deveria arcar com a totalidade do risco.

Uma vez que o resultado fiscal negativo de 2020 foi muito aumentado pelas diversas despesas excepcionais deste ano e isto se traduzirá, inevitavelmente, em aumento absoluto da dívida pública nos próximos anos, uma queda do PIB maior do que seria se a atuação do Governo fosse diferente nos levará a uma piora ampliada da relação dívida/PIB. Ora, macroeconomicamente, não é o tamanho absoluto da dívida o indicador mais importante, mas sim sua relação com o PIB. E neste quociente, a preocupação excessiva com o numerador, sobretudo no curto prazo, vai nos levar a um denominador pior do que o esperado por dois ou três anos, com resultados econômicos e sociais muito ruins.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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