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20 de janeiro de 2014
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11:18

Recuperação europeia e trabalhadores “contra a parede”

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Sul 21
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Recuperação europeia e trabalhadores “contra a parede”
Recuperação europeia e trabalhadores “contra a parede”

Depois de cinco anos desde o início da crise internacional, a Europa começa a mostrar sinais de suave recuperação. Na semana passada saíram os números do PIB do último trimestre de 2013 da Espanha, um dos países mais afetados pela crise e com uma tradicionalmente elevada taxa de desemprego. O PIB subiu 0,3%, depois de uma alta de 0,1% no trimestre anterior. As taxas são muito próximas de zero e valem menos pela magnitude e mais pelo fato de que já não são negativas. Junto com o PIB começa a se recuperar o mercado de trabalho, evidentemente com salários e condições rebaixados em relação ao momento pré-crise.

A agência Bloomberg divulgou uma informação que chama atenção. Uma designer espanhola de roupas que está retomando a produção, depois de anos em que perdeu cada vez mais espaço para os concorrentes chineses, declarou que: “Durante a explosão da construção civil [na Espanha antes da crise], as mulheres dos vilarejos não estavam interessadas em ganhar 700 ou 800 euros por mês. […] Agora as pessoas estão desempregadas, estão com as costas contra a parede. As famílias precisam dos salários que pareciam ridículos naquela época.” Além disso, a empresa informa que, com um nível salarial rebaixado, é possível até mesmo competir com a China, que tem salários em alta nos últimos anos e oferece a desvantagem de estar longe do mercado consumidor. Para setores que trabalham com moda, como vestuário e calçados, a distância – e o tempo que ela acarreta para abastecer rapidamente o mercado – são elementos importantes de competição, principalmente em momentos como o atual, de encomendas de lotes pequenos e variados, para atender a um mercado frágil e em constante mudança. Não se pense que os salários da China são maiores que os da Espanha, é claro, mas a combinação salário-distância para alguns tipos de mercado funciona a favor dos países europeus.

A declaração desta empresária diz praticamente tudo e dá bem a noção de quanto piorou a situação das famílias dos trabalhadores espanhóis. A OCDE informa que os custos do trabalho na Espanha caíram pelo quarto ano seguido e que 2014 deve ser apenas mais um ano em que vai se verificar este fenômeno. Sabe-se lá quanto tempo ainda vai durar, com as pessoas “com as costas contra a parede”, não só na Espanha, mas em Portugal, na Irlanda e, mais dramaticamente, na Grécia. Os países mais ricos, liderados pela Alemanha, estão noutra situação. Lá a recuperação já está mais consolidada e os salários estão em alta. Eles sofreram bem menos com a crise, têm uma estrutura industrial muito mais avançada e mais capaz de dar as respostas rápidas que a crise exigia. O lado mais pobre da Europa ainda vai sofrer bastante e neste momento os trabalhadores têm uma condição de barganha muito frágil.

É forçoso tecer o contraponto com o mercado de trabalho brasileiro que, na esteira da política de recuperação do valor real do salário mínimo, apresenta recordes de baixa das taxas de desemprego e rendimentos em alta. O descolamento das taxas de crescimento do PIB e do desemprego no Brasil chama atenção; há anos um “pibinho” está associado a um mercado de trabalho aquecido, principalmente na parte de baixo da pirâmide salarial. Essa aparente contradição em parte pode ser explicada pelo fato de que grande parte dos empregos gerados correspondem a atividades de baixo valor agregado, o que pouco colabora para o crescimento do PIB. É na faixa de até dois salários mínimos que se criaram mais empregos no Brasil; empregos de baixa qualificação e baixa produtividade, principalmente no setor de Serviços. Mas, com um efeito de encadeamento e uma endogeneidade de fazer inveja: os trabalhadores dessas faixas compram bens de consumo simples e serviços, ambos intensivos em mão de obra não qualificada, gerando produção e novas contratações de trabalhadores da base da pirâmide. Não é nada tão maravilhoso, porque, como se disse antes, são empregos de baixa qualidade e mais, é um fenômeno que já está ocorrendo com menos força do que nos momentos iniciais. Mas diante da situação europeia, não se pode dizer que os trabalhadores brasileiros estejam “contra a parede”.

Flávio Fligenspan é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS


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