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25 de maio de 2016
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10:05

As propostas do Instituto Malignum, da Temerlândia

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As propostas do Instituto Malignum, da Temerlândia
As propostas do Instituto Malignum, da Temerlândia

michel temerPor Flavio Aguiar

Carta aberta a Sua Majestade Temerlão I

Excelentíssimo Soberano Primeiro e Único

Nós, do Instituto Malignum, sempre vigilantes dos verdadeiros interesses pátrios, vimos até Vossa Magnificência apresentar as seguintes propostas:

1. Estudos de nossos melhores cérebros Malignuns demonstram que o pleno emprego é uma ilusão de ótica que faz muito mal à saúde macro e microeconômica de um país. Basta olhar o nosso país vizinho, a Macrolândia, que antes era uma Microlândia aos olhos do saudável capitalismo financeiro internacional. Com alguns poucos meses de incremento da pobreza e do desemprego, nosso país vizinho cresceu na reputação do 1% da população que realmente interessa levar em conta no mundo. No passado recente tivemos a desagradável situação de enfrentarmos a adversidade de taxas de desemprego muito baixas. Isto é péssimo, pois só faz aumentar o custo-Temerlândia, através de uma iníqua valorização dos salários, coisa que atrapalha os investimentos necessários à locupletação do 1% de nossa população que verdadeiramente conta para a saúde da pátria, ao contrário dos 99% de párias que só pensam em atrapalhar a vida com sua busca de melhores salários e condição de sobrevivência, com exigências supérfluas como moradia, comida, remédios, transporte a preços acessíveis, como se merecessem tal. Esta situação perversa se coadunava com a incessante, injusta, perniciosa, subversiva valorização do salário mínimo, até mesmo para mulheres e domésticas que devem, com muita justiça, perceberem menores ganhos dos que os homens brancos, sobretudo aqueles que usam terno escuro, de tanto agrado de Vossa Maximalidade. Assim que tomamos a liberdade de sugerir-lhe a criação da Secretaria de Promoção e Aprofundamento da Desigualdade Social. A dita Secretaria terá, por primeiro objetivo, o de instituir o Ano do Desemprego Obrigatório para todos os trabalhadores assalariados de nosso querido país. Todo trabalhador assalariado seria, assim, obrigado, de tempos em tempos, digamos, a cada três anos, a permanecer desempregado por 365 ou 366 dias, conforme o ano for bissexto ou não, para aumentar nosso Exército de Reserva Desempregada, o que daria contribuição fundamental para rebaixar o salário mínimo, aliás, todos os salários, atraindo assim todos os investimentos necessários para melhorar a acumulação de riqueza por parte daquele 1% que realmente toca a pátria para frente, comendo coxinhas ao invés de pão com mortadela. Os trabalhadores que burlarem este programa seriam obrigados a trabalhar de graça pelo próximo triênio.

2. Para tanto, será necessário interromper a insidiosa campanha atualmente promovida em nossa pátria e fora dela para deslegitimar o preclaro governo de Vossa Magnitude, denominando-o de usurpação, fruto de um golpe de estado. Nossa Linguista e Jornalista-Mór, a reconhecida internacionalmente Doutora Cheirosa Castanhola, elaborou parecer e proposta no sentido de que daqui por diante seja eliminada de nossa semântica a palavra “golpe”, que vem tendo este uso torpe o que, além de tudo, é uma rima imperfeita. A palavra seria eliminada em todas as suas intervenções indevidas em nossa língua. Por exemplo, a própria expressão “golpe de estado” seria substituída por “eventual mobilização patriótica de recursos extra-constitucionais”. Outra expressão, o conhecido “golpe do baú”, seria trocada por “casório capitalizante”, mais adequada aos tempos de nossa viagem para o futuro que Vossa Emerência quer implantar, e sabemos que em nossa Temerlândia, em se implantando, dá. Já, por exemplo, “golpe baixo” passaria a ser “impacto de pouca altitude”, e assim por diante. Todos os dicionários, livros, jornais que ainda usam ou venham a usar qualquer forma da palavra “golpe”, isolada ou em conjunto, serão queimados na Praça do Único Poder, em nossa Capital, a Temerília, em lembrança de prática similar feita em terra distante, em regime passado de saudosa memória para todos os verdadeiros patriotas. Jornalistas, escritores, escribas, radialistas, âncoras de tevê, etc., que deixem, mesmo que sem querer, escapar de seus lábios ou teclados a palavra proibida, terão sua mão esquerda cortada, para ver se assim tomam jeito, usando só a direita. Também poderemos abrir um processo no Tribunal Internacional de Ditatória contra toda a imprensa mundial que teima em chamar o que ocorre em Temerlândia de “Soft Coup”, “kalter Putsch”, “Coup d’État” e outras expressões usadas para denegrir (o termo é muito apropriado) a imagem imaculadamente alva de nossa bela e democrática Temerlândia, mais democrática ainda depois que eliminou-se de nosso horizonte esta temeridade, desculpe, esta ousadia que é basear o poder do governante no voto popular. Aliás, para completar vossa excelsa obra, poderia se instituir um curso supletivo para políticos denominado “Como Ganhar Eleições sem um Único Voto”.

Sem querer tomar mais o tempo de Vossa Preciosidade, subscrevemo-nos
Mui Atenciosa e Cordialmente,

Dr. Róseo Protuberante
Diretor-Presidente do Instituto Malignum.

.oOo.

Flávio Aguiar é professor, escritor, correspondente internacional, tradutor, organizador e colaborador de dezenas de livros. Atualmente vive em Berlim, na Alemanha.


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