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6 de março de 2016
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10:05

O roteiro da “Operação Congonhas” contra Lula

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O roteiro da “Operação Congonhas” contra Lula
O roteiro da “Operação Congonhas” contra Lula

Por Flavio Aguiar

Interrompo momentaneamente minhas séries de outros comentários, diante da estripulia que foi a operação de 4 de março contra o ex-presidente Lula, seus familiares e auxiliares.

Dá para perceber um roteiro na ação projetada e em sua falha.

O roteiro começa, a longo prazo, com aquilo que Eric Nepomuceno definiu muito bem: já temos o criminoso, agora precisamos encontrar o crime, coisa que cabe muito bem nas tradições inquisitórias, nazistas, estalinistas, mccarthistas, pinochetistas, etc.

Mas teve condimentos adicionados recentemente.

Primeiro, a ameaça representada pelo pedido de Lula para que o STF se pronuncie sobre o primado de jurisprudência nas acusações que lhe são feitas. O juiz Moro e a corte de procuradores e policiais federais que o acompanham sentiram o acender da luz amarela: tudo pode escapar de nossas mãos… É preciso agora rápido para garantir as manchetes e o noticiário, de que fomos nós que “prendemos” Lula.

Segundo, a mudança no Ministério da Justiça. Isto poderia significar o fim da impunidade garantida pela inação (para mim inexplicável) do ministro Cardoso, talvez a substituição do comando da PF… sabe-se lá. O mandato de segurança impetrado pelo DEM contra a nomeação do novo ministro enquadra-se nesta alínea da conspirata.

A partir daí, os acontecimentos, ou melhor, seus agentes, se precipitaram. A volúpia de ter o comando da ação que, a serviço dos interesses que exigem a neutralização de Lula não só em 2018, mas para sempre, e sobretudo do seu passado de melhor presidente do Brasil, tomou conta de seus protagonistas.

O juiz Moro autorizou uma ação da PF. Os agentes da PF optaram pela “condução coercitiva” ou seja lá que nome se dê. No bom tempo era “voz de prisão”. Montaram o espetáculo megalomaníaco: 200 agentes, detenções (este é o nome) simultâneas, invasões de domicílio (ilegais, porque não autorizadas pelo juiz, ou, quem sabe, ele recuou depois), espetáculo faraônico, e conduziram o ex-presidente para Congonhas.

Estranho, não? Congonhas? A PF tem sede em S. Paulo. Que eu saiba, não fica em Congonhas. Houve aí um duplo objetivo: primeiro, como Congonhas é um ambiente dominado por “coxinhas” e “coches”, é um ambiente propício a cenas constrangedoras contra o ex-presidente, como aconteceram. Segundo, se tudo corresse como previsto, o ex-presidente tomaria o avião, preso, para a República de Curitiba, sob aplauso da caterva, ou melhor, da manada do coxinhas lá presentes. Um sucesso midiático!

Fora das quatro linhas, na arquibancada, o senador Aécio Neves – um Eduardo Gomes dos anos 50, mas desfibrado – e Eliane Catanhêde – uma candidata a Lacerda, mas descorada – comemoravam o fim de Lula e do PT.

Mas…

Faltou combinar com o resto do país. O PT e adjacências anda meio adormecido, mas o povo pró-Lula acordou. Acorreu ao aeroporto de Congonhas. UM amigo meu me escreveu, lembrando o brado coxinha de antanho: “Ficou parecendo uma rodoviária”… Reações na mídia se multiplicaram, inclusive de tucanos sérios e respeitáveis, como José Gregori, denunciando a arbitrariedade da situação. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo, condenou a ação de Moro. Governadores se pronunciaram. Manifestações se programaram. Haveria confrontos…

Enfim, o esquema recuou. Não deu certo, pelo menos desta vez.

Lula saiu reforçado do evento, inclusive por seu magistral depoimento transmitido ao vivo. A Globo, Moro, estes membros da PF foram derrotados. Desta ve. Não vão desistir.

Uma das hipóteses é que isto tenha sido um balão de ensaio. Como a primeira tentativa de golpe no Chile, em 1973. Para observar a reação das forças legalistas. Pode ser.

Mas há duas coisas certas: eles vão tentar de novo; e não contavam com a pronta reação que houve.

Que fazer?

Manter a calma. Não desembarcar da luta. Não cair em provocações. Manter uma enorme quantidade de informação circulando, fora das linhas da velha mídia que está inteiramente comprometida com o golpe. Deixar de lado quezílias e manter firme da defesa das liberdades democráticas e da legitimidade constitucional.

.oOo.

Flávio Aguiar é professor, escritor, correspondente internacional, tradutor, organizador e colaborador de dezenas de livros. Atualmente vive em Berlim, na Alemanha.


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