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13 de abril de 2016
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11:40

Os Três Passos do Brasil

Por
Sul 21
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Os Três Passos do Brasil
Os Três Passos do Brasil

não vai ter golpePor Enéas de Souza

É preciso ter clareza para entender a situação política do Brasil. Ao menos dentro de uma perspectiva de legalidade. Assim, em face dos saudosistas do golpe e dos oposicionistas que não se conformam com a derrota, a única resposta é que não há nenhuma tipificação de crime de responsabilidade. Só esta daria base para o impedimento da Dilma. E grande parte da população compreendeu essa dimensão como ninguém. E respondeu crescentemente nas ruas. É como se viu: o povo fundou o movimento NÃO VAI TER GOLPE e o movimento virou música. Apoiou firmemente a legalidade e desatou o vento da resistência contra o impeachment golpista. Desvendou então a face oculta da fraude social: a cara de vampiro e o segredo escancarado. A aliança do golpe político com o golpe econômico. Ou dito de outro jeito: o elo da oposição com o liberalismo. E como na criação do mundo, fez-se a luz: o liberalismo é um governo contra a população.

Mas, o que veio com este movimento popular de reação ao impeachment? Uma recusa do que estava se preparando: a proposta de menos democracia. A proposta do impeachment chama pelo pior. Trabalha por uma visão de democracia bastarda, de democracia subalterna e de democracia da minoridade. Vendeu-se a ilusão que tirando a Dilma tudo melhora; desde a política até a economia. Busca-se o trajeto de uma falsa legalidade, o impeachment sem provas. Na verdade, trata-se de começar um novo período golpista que se materializaria em menos democracia. O que é isso? É retirar as conquistas democráticas que vêm dos últimos anos e chegam até agora. Querem, é verdade, “flexibilizar” os direitos trabalhistas, os direitos previdenciários, os direitos sociais, os direitos políticos, os direitos de saúde, os direitos de educação, os direitos de cultura. Querem baixar os aumentos de salário real; querem diminuir o emprego público, querem atuar contra os pensionistas. E etc. E para culminar querem privatizar o que é fundamental para o desempenho da política econômica da nação: a Caixa, o Banco do Brasil e a Petrobrás. Ou seja, em nome de uma falsa salvação da economia e do país, querem se amparar num processo de menos democracia e menos desenvolvimento.

Para esta proposta absurda, só existe uma contra resposta social: o que resolve a crise não é menos democracia Mas, sim, ao contrário: MAIS DEMOCRACIA. E MAIS DEMOCRACIA tem a ver com uma distribuição mais igualitária da renda e com a manutenção e ampliação dos direitos do trabalho. Significa dar curso à ampliação e consolidação dos direitos previdenciários. Não ceder nas facetas dos direitos humanos (sobretudo aqueles que tratam de raça, credo e sexo). E por outro lado, trata-se de desenvolver e aumentar quantitativa e qualitativamente a cobertura da educação e da saúde. E fornecer condições para o usufruto e a criação artística. E tratar de fazer circular os produtos da cultura e não da banalização dos objetos de arte e dos objetos culturais. A rota de MAIS DEMOCRACIA é único caminho viável para o Brasil no rumo da civilização.

Isso nos faz adentrar no terceiro passo: um novo projeto de nação. E este projeto de nação passa por visar à reconstrução do Estado. Há que travar a sua atual dissolução e reencontrar a unidade perdida. Há que repor a autoridade do chefe de Estado. E a partir dela configurar uma liderança nacional harmonizando os poderes executivo, legislativo e judiciário. Tudo começa com a tarefa de reconstruir o Estado. E para tal, dar solidez a sua arquitetura, refazendo e reformulando algumas de suas instituições E nesse ponto atualizar e dar novos treinamentos a sua burocracia, etc. E isto não vem com o projeto neoliberal, que é um projeto de apequenamento da sociedade, uma proposta de discriminação, instalando um Estado pró-finanças. Contra esse projeto temos que ter um projeto politico democrático nacional que recupere o caminho da política externa, da política econômica e das políticas sociais. A inspiração passa pelo melhor do governo Lula, pelo melhor da presidência da Dilma dos dois primeiros anos do seu primeiro mandato. Estamos na véspera dos novos tempos, o Brasil precisa retomar o caminho encetado em 2003, mas obviamente com outro figurino, com outra organização. Uma organização para o século 21 à dentro.

O primeiro grande ponto econômico é reparar os danos produzidos por um sistema político e administrativo que veio desde a Constituição de 1988 e que desabou. Está poluído, danoso, confuso e corrupto. Dilma deu força para que se atravessasse um período de turbulências e para que a nação enxergasse o seu rosto sombrio com a cicatriz da corrupção e a nervura do golpe. Como diz o samba de Vanzolini: “reconhece a queda, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Assim, bloqueando a manobra patética do golpe, o caminho se inicia com a reconstrução do país. Por isso, há que retomar as propostas de desenvolvimento social, político e econômico do governo Lula. E fazer valer a proposta de MAIS DEMOCRACIA.

E há que recomeçar, no plano econômico, concertando um brutal dano: o efeito do Lava Jato. Trata-se de reparar a destruição econômica da Petrobrás e recuperar as empresas de construção civil pesada. Aplausos para o término da corrupção nessas entidades. Mas, não se pode destruir as empresas brasileiras. Não podemos confundir empresa e empresários. Punam-se os criminosos, mantenha-se o patrimônio produtivo. Público e privado. E porque? Porque para entrar na nova revolução industrial, centrada nas novas tecnologias de comunicação e informação é fundamental ter bala para o ingresso. Na fúria anti-Dilma, não se enxergou e se delapidou a única empresa multinacional que articulava uma grande força de acumulação. Uma vasta cadeia global de valor numa área chave da infraestrutura geral da nova economia do mundo. A recuperação da construção civil pesada é imprescindível, sobretudo porque existem tecnologias destas empresas, só delas, indispensáveis para o desenvolvimento da realidade e da economia brasileira. Além de serem empresas que atuam e competem internacionalmente.

Recuperando esses danos que afetaram a economia do país é preciso concomitantemente centrar a política de renovação na esteira do investimento. E o decisivo é o investimento público que organiza as áreas de infraestrutura: ferrovias, hidrovias, rodovias, armazenagem, portos, aeroportos, reestruturação urbana, saneamento básico, etc. A infraestrutura é a porta de saída desta crise. É ela que permite dar espaço, no Brasil à articulação da expansão do investimento privado nacional e do investimento privado internacional. Trata-se de uma nova frente de ganha-ganha, desde que se mantenha a via de mais democracia. O que significa avançar o desenvolvimento produtivo tanto pelo lado do investimento como do consumo. E a partir destes pontos, estimular o sistema financeiro público e privado a encontrar uma regulação financeira capaz de levar o apoio à produção e ao emprego, sem desestimular atividades financeiras propriamente ditas.

Essas ideias propõem um esboço de uma saída de crise, obviamente pelo lado capitalista, mas combinando um projeto de expansão Estado/capital financeiro e produtivo/trabalho. O projeto que está por traz supõe retomar noutras bases os projetos históricos de Vargas, Juscelino e Lula. E com isso repondo o Brasil como player mundial, um player médio é verdade. E por essa razão, a política diplomática terá que ser um ponto de vanguarda do projeto de nação. Só que um projeto de nação é mais que um projeto de relações internacionais, mais que um projeto econômico. É um projeto político que integra o Brasil no mundo. E ainda: mais que um projeto político é um projeto de civilização. Pois quem viu as manifestações dos artistas nacionais, de Wagner Moura a Chico Buarque de Hollanda e escutou o samba de Beth Carvalho, pôde sentir que o Brasil tem substância para gerar uma contribuição da civilização brasileira (cinema, teatro, artes plásticas, música, arquitetura, dança, ópera, filosofia, etc.) para a civilização globalizada. Seria uma forma fantástica de atravessarmos a camada do ódio na direção de um destino de materialidade e de criação de uma nova fase histórica do país e do mundo.

Este é um projeto para Dilma recompor o país célula por célula. A crise trouxe a necessidade de rever os nossos males, a nossa corrupção, mas também de retomar a nossa capacidade de inventar. Pode-se passar de uma energia destrutiva para uma energia afirmativa. E reentrar na dura luta da nova geopolítica da globalização. Da caverna do ódio para uma outra rede de criações. Por isso, o projeto de saída da crise e de reconstrução do Brasil requer mais democracia e mais civilização. Que Dilma e Lula e o Legislativo possam dar o toque indispensável para o renascimento da economia, da política e da cultura. E que ao fim do mandato da presidente Dilma, o novo mandatário receba um país sem golpes e já na direção de uma nova era. São três passos que retomam o Brasil: retrabalhar o passado de brilho, revisar o tumultuado presente e inaugurar efetivamente, com mais democracia, a próxima estrada do futuro.

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Enéas de Souza é economista, psicanalista e crítico de cinema.


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