Colunas>Eduardo Silveira de Menezes
|
13 de setembro de 2016
|
10:30

Temer: o sujeito se fez verbo

Por
Sul 21
[email protected]

temer-2Por Eduardo Silveira de Menezes1

Enquanto esteve ocupando a posição decorativa de vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB) se consagrou como peça fundamental do pacto de classes estabelecido pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Após a consolidação do golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff (PT), no entanto, o sujeito “Temer” transformou-se em verbo. Um temor que advém das ameaças permanentes de retrocesso. Estrategicamente transformadas em “medidas necessárias” para o enfrentamento da tão propalada crise econômica, as mudanças previstas na Previdência Social e a proposta de reforma trabalhista vão impactar diretamente na vida da maior parte da população. Caso as reformas sejam aprovadas, estará se legitimando uma máxima perversa: os mais pobres ficam definitivamente condenados a se matar de trabalhar e trabalhar até morrer.

O cálculo é simples. De acordo com dados divulgados pelo extinto Ministério da Previdência – atualmente incorporado à Fazenda –, um em cada cinco brasileiros morre antes de completar 65 anos. Com a fixação dessa idade como sendo a mínima para requerer a aposentadoria, os trabalhadores de baixa renda são os que realmente sofrerão as consequências. Graças ao famigerado “banco de horas”, instituído em 1998 por Fernando Henrique Cardoso (FHC), muitos, inclusive, já cumprem extensas e desgastantes rotinas de trabalho. Some-se a isso a possibilidade de jornadas de até 12 horas diárias e o resultado tende a ser desastroso. Conforme demonstram estudos recentes, a alta concentração de tarefas em um turno específico pode levar ao surgimento de Lesões por Esforços Repetitivos e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT).

E não é só isso. Nas grandes cidades, somente no deslocamento até o local de trabalho costuma-se gastar, em média, de três a quatro horas. As péssimas condições de transporte, em todo o país, também contribuem – e muito – para atentar contra o bem-estar e a saúde dos trabalhadores mais humildes. Trata-se de um público composto por pessoas que, desde muito jovem, estão na ativa e costumam recolher para a Previdência. Praticamente não lhes sobra tempo para atividades de lazer, estudos e o merecido descanso, embora estes sejam direitos sociais garantidos pelo artigo 6º da Constituição Federal. O ritmo acelerado do dia a dia os coloca em um estado de letargia que, não raras vezes, dificulta a compreensão sobre a importância de lutar por melhores condições de trabalho.

Diferente da década de 1980 – auge do sindicalismo combativo no Brasil –, hoje, cada vez mais, a subjetividade da classe trabalhadora está sendo capturada pelos mecanismos de comprometimento do capital. O afastamento – consciente ou não – da classe de origem leva o trabalhador a reproduzir discursos contrários aos seus próprios interesses. Na maior parte das vezes, essa resignação vem acompanhada da esperança em ascender dentro da empresa. Na prática, no entanto, os empregados costumam ser vistos somente como uma peça substituível na engrenagem de produção.

As mudanças ocorridas no seio das entidades de classe certamente contribuíram para esse cenário. Nem sempre capazes de exercer um afastamento crítico dos governos Lula e Dilma, algumas das principais centrais sindicais do país acabaram não conseguindo aglutinar as forças necessárias para barrar, em sua origem, as medidas previstas pelo ajuste fiscal. “Apesar da crise” – como se acostumaram a dizer os grupos de mídia que apoiaram o golpe parlamentar – os lucros dos bancos não pararam de crescer durante os governos petistas. A contradição inerente à aliança com os setores mais retrógados da política nacional ficou de tal forma insustentável que, antes mesmo de ser golpeado, o governo Dilma já estava sucumbindo à adoção de medidas condizentes com o projeto político derrotado nas urnas.

O caráter supostamente legalista das reformas que estão em curso procura induzir a população a acreditar que, com a flexibilização das regras atuais, novos postos de trabalho podem ser criados. Na verdade, políticos e empresários sabem que não se trata disso. Em um momento de crise econômica, tais iniciativas procuram apenas responder aos anseios da classe patronal em cortar gastos com mão de obra sem deixar que os lucros sejam afetados. Assim, de forma lenta, gradual e segura – tal qual ensinaram os generais de 1964 –, o governo de turno prepara o terreno para a redução dos direitos trabalhistas. Enfraquecer o papel dos sindicatos é parte decisiva da tática golpista. Pouco importa se as regras não foram estabelecidas por meio de um amplo e aberto diálogo junto à sociedade civil. Para esse governo ilegítimo, os trabalhadores não passam de seres autômatos, cujos votos nem mesmo precisam ser respeitados. Não é por acaso que as ruas estão sendo tomadas. Milhares estão dispostos a lutar em defesa de direitos historicamente conquistados. É preciso parar Temer. Aliás, mais do que isso! É preciso parar de temer!

.oOo.

1 Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos e doutorando em Linguística aplicada – com ênfase em análise do discurso pêcheuxtiana – pela UCPel. E-mail: [email protected].


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora