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10 de agosto de 2016
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10:50

Por que comparar Marta com Neymar?

Por
Sul 21
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marta3Por Eduardo Silveira de Menezes1

As duas vitórias da seleção feminina de futebol e os dois empates do time masculino, na arrancada das Olimpíadas de 2016, têm feito com que os holofotes dos grupos de comunicação se voltem para as mulheres. Infelizmente, se o futebol masculino vivesse um grande momento, elas não teriam o mesmo destaque. Não se ouviria, por exemplo, a torcida dizer que “Marta é melhor do que Neymar”. Essa comparação, ao repercutir nos meios de comunicação, apresenta-se muito mais como uma “provocação” – tentando “mexer com os brios” do atacante do Barcelona – do que, propriamente, como um elogio à principal atleta do time feminino.

Se a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) estivesse comprometida em investir na promoção do futebol feminino, talvez o público entendesse que não é necessário compará-los. Marta representa muito mais para o futebol brasileiro do que Neymar. Mesmo tendo sido eleita cinco vezes como a melhor do mundo, ainda não desaprendeu a importância de se ter humildade, respeitar os adversários e jogar pensando no coletivo. À frente apenas no “ranking de aparições em comerciais de TV”, o garoto-propaganda da seleção masculina costuma ter sua imagem associada a empresas de diversos segmentos econômicos. Ambev, Claro, Santander, Unilever, Tennys Pé, Lupo e Nike são algumas das marcas cujo nome de Neymar está – ou já esteve – diretamente vinculado.

A mídia em cima do jogador é fortíssima. Não é difícil encontrar quem se identifique com ele. Também pudera. Até os jogos de videogame são projetados para valorizar apenas os jogadores de futebol masculino. Somente este ano, no Fifa 2016, as equipes femininas foram incorporadas aos consoles. Não adianta nem querer justificar que o “futebol feminino é muito recente”. Com o avanço da luta pelos direitos das mulheres, a primeira partida de futebol feminino ocorreu em 1895, reunindo um público de aproximadamente 10 mil pessoas. Os times representavam, respectivamente, o norte e o sul de Londres. Atentos aos lances, os torcedores das duas equipes concordavam em pelo menos um ponto: ambos criticavam o envolvimento das mulheres com o esporte.

Hoje os tempos são outros. Cerca de 150 seleções femininas estão ranqueadas pela Federação Internacional de Futebol (FIFA). No Brasil, as mulheres são hexacampeãs da Copa América. Nem todos que comparam Marta e Neymar sabem disso. A maioria, talvez, não tenha nem mesmo acompanhado os jogos. A goleada de 7 a 1 que a seleção masculina sofreu para a Alemanha, pelas semifinais da Copa do Mundo de 2014, repercutiu muito mais do que a última conquista da seleção feminina, em setembro do mesmo ano. E olha que, bem antes desse episódio, já não estava tão difícil decifrar o verdadeiro propósito da seleção de futebol masculino. Os escândalos de corrupção envolvendo os três últimos presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) são sintomáticos de um contexto em que acordos de transmissão e de exploração de marketing parecem valer mais do que os jogos em si.

A Rede Globo, que hegemoniza as transmissões de futebol no Brasil, sempre privilegiou o futebol masculino. O futebol feminino é rejeitado devido ao medo de representar uma baixa audiência. Colocadas em segundo plano, as mulheres só ganham destaque se os homens vão mal. Quando o principal narrador da Rede Globo, Galvão Bueno, critica a seleção masculina e elogia a seleção feminina não está procurando fazer justiça. Sua suposta “indignação” com a postura dos atletas, que se negaram a conceder entrevista após o empate com o Iraque, no último domingo (07), reflete muito mais a frustração de uma expectativa de mercado do que uma reflexão interna sobre a política adotada até o momento. Repreender Neymar e elogiar Marta, nesse cenário, soa bastante oportunista.

Marta é uma grande jogadora de futebol. Isso nada tem a ver com Neymar, Pelé, Messi ou Cristiano Ronaldo. Cada um desses jogadores construiu sua carreira sem maiores dificuldades. Marta viveu situação distinta. Lamentavelmente, as mulheres precisam enfrentar adversários que estão além das quatro linhas. A intolerância e o preconceito até podem ter “diminuído” – como costumam dizer alguns conformistas –mas, ainda assim, jogadoras, árbitras e bandeirinhas sofrem com discriminação. Não raras vezes, costumam ser “lembradas” muito mais por características físicas do que pela capacidade em campo.

Os tempos podem ser outros. Os desafios, no entanto, parecem ser muito semelhantes aos de antigamente. Da mesma forma que, no final do século XIX, a ativista feminina, Nettie Honeyball, precisou desempenhar um papel decisivo na promoção do esporte entre as mulheres, atualmente as jogadoras de futebol precisam comprovar que têm capacidade técnica para estar em campo. Nada muito diferente do que se pretendia com a criação do primeiro time de futebol feminino – British Ladies’ Football Club –, pois, já naqueles tempos, se buscava confrontar o papel social atribuído à mulher.

Marta deve ser reverenciada pelo que de fato representa para o Brasil. Não precisa ser lembrada a reboque das más atuações de Neymar. A postura dos funcionários da Rede Globo é meramente circunstancial. Basta o garoto-propaganda “desencantar” para ser chamado de “craque extraordinário”. Enquanto isso, a camisa 10 da seleção feminina seguirá fazendo o de sempre. Sem a mesma bajulação dos “fenômenos” criados e recriados pela grande mídia, ela e suas companheiras de equipe continuarão protagonizando grandes jogos. Nunca precisaram de comparações. Não é agora que precisarão. Quando jogar futebol é o que realmente interessa, pouco importa a opinião de narradores, comentaristas e espectadores de ocasião.

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1 Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos e doutorando em Linguística aplicada – com ênfase em análise do discurso pêcheuxtiana – pela UCPel. E-mail: [email protected].


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