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6 de agosto de 2016
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14:38

Não peça a um xavante para deixar de sonhar

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Sul 21
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Não peça a um xavante para deixar de sonhar
Não peça a um xavante para deixar de sonhar
Foto: Jonathan Silva
Foto: Jonathan Silva

Por Eduardo Silveira de Menezes

O primeiro turno da Série B do Campeonato Brasileiro chegou ao final. Após 19 rodadas, o Grêmio Esportivo Brasil ocupa a 5º colocação e está a uma vitória do G4. Nenhuma das duas partidas que estão atrasadas – marcadas para o dia 16 de agosto – pode alterar essa posição. No último jogo, disputado no Bento Freitas, o Brasil não tomou conhecimento do Avaí. A vitória por 3 a 0 veio acompanhada de uma ótima atuação. Com direito, inclusive, a uma bela defesa de pênalti protagonizada pelo goleiro Eduardo Martini. Ficou barato para o time catarinense. Não é papo de torcedor. Poderia ter sido mais.

Na contramão da nossa euforia pela boa campanha, alguns cronistas esportivos estão defendendo a ideia de que “o torcedor do Brasil não pode criar expectativas”. Como assim? Somos torcedores. O dia que deixarmos de “criar expectativas” acabou. Já era. Teremos de procurar outro esporte para nos encantarmos. É importante curtir o bom momento. É um sonho que – nos desculpem os torcedores dos outros times do interior – só aos xavantes pertence. Havendo a possibilidade, por que não sonhar com o acesso?

Preferimos ficar com as declarações do comandante Rogério Zimmermann. Sempre que é questionado sobre a possibilidade de treinar um time da primeira divisão do nacional, o nosso treinador faz questão de dizer que existem duas formas para que isso ocorra: ou ele recebe um convite para trabalhar em um dos clubes que já estão na Série A – e aceita –, ou sobe com o Brasil. É lógico que preferimos a segunda opção.

Foram dois acessos consecutivos: da série D para C, em 2014, e da série C para a B, em 2015. Não seria nenhum absurdo se, em 2016, conquistássemos um novo acesso. Em rodas de amigos, quando conversamos a respeito, alguns torcedores mais cautelosos – influenciados pelos cronistas de plantão – dizem que o acesso esse ano “não seria o ideal”. Segundo eles, o descenso viria no ano seguinte. A impossibilidade de utilização do Bento Freitas também é usada como justificativa. O estádio está sendo construído para abrigar, inicialmente, algo em torno de 10 mil pessoas. A exigência mínima para a primeira divisão é de 15 mil. Assim, começam as especulações. Teríamos que jogar fora. Possivelmente em Porto Alegre. Talvez em Caxias do Sul. Esses são os principais argumentos dos que afirmam que não seria “o momento” de subir para a Série A.

Não existe o “momento certo”. Sempre sonhamos em retornar à elite do Campeonato Brasileiro. A vitória contra o Flamengo, de Zico, na década de 1980, precisa ser substituída por outro feito, talvez de maior magnitude. Quem sabe daqui a 30 anos nossos filhos não irão ouvir histórias ainda mais emocionantes do que aquelas contadas por nossos pais. As “preocupações” com relação ao andamento das obras no estádio, aos possíveis jogos distantes de Pelotas e a um provável descenso logo no retorno à Série A devem ficar a cargo da direção do clube. Nosso papel, como torcedores, continua sendo o mesmo de sempre: apoiar o time – independente da competição e circunstâncias – e, acima de tudo, não perder a coragem de sonhar. Como diria o escritor Gabriel Garcia Marques, “não é verdade que as pessoas param de perseguir os sonhos porque elas envelhecem, elas envelhecem porque param de perseguir sonhos”.

Não vamos envelhecer tão fácil. Temos filhos e filhas, netos e netas; são gerações e mais gerações de xavantes acostumados a sonhar. Não sonhamos motivados pelas “taças erguidas”, mas, justamente, pela ausência de conquistas. Houve uma época em que ouvíamos atentamente nossos pais contarem os grandes feitos do Brasil. Aquelas histórias embalavam nossas noites de sono antes do jogo que viria no dia seguinte. Não eram nem de perto partidas como aquelas de “antigamente”, mas, mesmo assim, nos levavam aos céus. Os tempos passaram e os sonhos continuam intactos. A tragédia, em 2009, foi um grande pesadelo. Sua superação, com o retorno à elite gaúcha e os acessos nacionais, simbolizam o despertar de um time tradicional do futebol brasileiro: o nosso querido Grêmio Esportivo Brasil.

Cada partida é um convite ao repouso da nossa consciência. Na Baixada, não há espaço para nos deixarmos levar pela razão. Não estamos sós. Estamos envolvidos em um espaço onde tantos outros também parecem sonhar acordados. Nesse clima, juntamos-nos a milhares de vozes. Procuramos nos fazer ouvir: “Quero gritar campeão. Vamos lutar por mais essa taça. Vamos rubro-negro com garra e com raça. Não para de cantar”. Esses versos retumbam em nossas almas. Elas já estiveram adormecidas, mas nunca foram – nem serão – preguiçosas. Já que é para sonhar, decidimos sonhar juntos – e acordados.

Cada gol contra o Avaí, na terça-feira (2), parecia nos despertar para a realidade. O time do Brasil está encaixado. O vestiário fechado. Os salários, ao que tudo indica, em dia. Assim, até a defesa começa a fazer gol. O zagueiro Leandro Camilo marcou duas vezes. O atacante Ramón, a cada jogo evoluindo mais, também deixou sua marca. O placar foi conquistado ainda no primeiro tempo. Em apenas 19 minutos, as redes balançaram três vezes. A vitória fora de casa, contra CRB, na rodada anterior, já havia começado a nos despertar. Cada jogo é a realização de um sonho. Cada vitória um motivo a mais para sonhar. As partidas a serem disputadas, no entanto, transformam-se em noites a menos de sono.

Em uma projeção simples, a permanência na Série B deve ser conquistada com aproximadamente 45 pontos. Precisaríamos, portanto, de 15 em 19 partidas. Não é um sonho tão difícil de ser realizado. Mas, para sonharmos com “algo a mais”, devemos chegar a pelo menos 35 pontos. São cinco a mais do que fizemos no primeiro turno. Uma tarefa difícil. Todos os times estão se reforçando para a competição e voltarão mais fortes nessa reta final.

O que tem feito a diferença são os jogos em casa – um pesadelo para os adversários. O Brasil é o único time invicto como mandante. Esse é o nosso diferencial. Para transformar nossos sonhos em realidade precisaremos continuar assim: sonhando juntos! Acreditando juntos! Cantando juntos! Aliás, falando em cantar, Raul Seixas é que sabia das coisas. Mesmo sem ter a exata noção do que estava a prever com o seu “Prelúdio”, descreveu, em detalhes, o futuro do xavante na Série B do Campeonato Brasileiro em 2016: “sonho que se sonha só é só um sonho, mas sonho que se sonha junto é realidade”. Torcedor xavante, não tenha dúvidas, o nosso sonho já é realidade. Não há quem possa nos impedir de sonhar.

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Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, doutorando em Letras pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e, acima de tudo, torcedor xavante. E-mail: [email protected].


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