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15 de agosto de 2016
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11:42

Crise de abstinência: o xavante não pode parar de jogar

Por
Sul 21
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Por Eduardo Silveira de Menezes1

Era para ser proibido. Quando o Grêmio Esportivo Brasil está participando de um campeonato – seja ele qual for – não deveria ser permitido que nós, torcedores, ficássemos mais do que uma semana sem vê-lo disputar uma partida oficial. Amistosos e jogos-treino ajudam apenas a amenizar essa lacuna que se abre quando uma competição é interrompida. Quem mora – ou já morou – fora de Pelotas conhece muito bem a sensação. Você sente um vazio que só é preenchido quando retorna à Baixada. Os sintomas não tardam a aparecer. Muitas vezes chegam antes mesmo de completar uma semana. Não é como nos períodos de pré-temporada, embora, nessas ocasiões, seja comum nos deixarmos facilmente abater pelo desânimo. E é melhor não querer argumentar que, desta vez, “é por um bom motivo”; que “se trata de uma pausa para a disputa dos Jogos Olímpicos” – maior evento multiesportivo do mundo. O xavante participa? Está em campo? Não? Então queremos mais é que acabe logo. Chega de sentir aquele aperto no peito toda terça e sexta – dias, nos quais, geralmente, o Brasil joga pela Série B do Campeonato Brasileiro.

Charge de André Macedo - ALMA
Charge de André Macedo – ALMA

A última partida oficial foi no dia dois de agosto. Até o próximo confronto, na sexta-feira (19), terão fechado 18 longos dias sem uma disputa por três pontos. Um período e tanto para quem está começando a se acostumar com até dois jogos por semana. É verdade que, na última quinta-feira (11), em amistoso disputado na Serra, o Brasil bateu o Caxias por 1 a 0, aliviando um pouco a nossa carência. Mas essa disputa, nem de longe, serviu para aplacar a inquietação provocada pela falta de jogos oficiais. Na verdade, só aumentou a ansiedade. O próximo jogo pela Série B, diante do Paraná, será bem diferente da partida frente ao Caxias. A entrega das faixas de Campeão da Divisão de Acesso aos jogadores do elenco grená simboliza um clima totalmente distinto do que iremos encarar após a retomada da competição nacional.

Na sexta-feira (12), com a vitória dos reservas por 6 a 3, em jogo-treino contra o Aimoré, ficamos ainda mais impacientes. Sem uma partida oficial passamos a viver uma “fase aguda”. Aquela tensão muscular, que, normalmente, nos acompanha durante os jogos valendo três pontos, costuma ser precedida por outro sintoma: a insônia. A mudança de humor também é facilmente identificada, sobretudo, por amigos e parentes. Interromper, de repente, os jogos do Brasil pela Série B – ainda mais agora que estamos na 5º colocação e jogando o fino da bola – causa muita irritabilidade.

Em meio a esse quadro, as coletivas do comandante Rogério Zimmermann afetam diretamente a nossa concentração. O coração vai ficando cada vez mais acelerado. Quem será escalado para o lugar do lateral esquerdo, Marlon, suspenso na última rodada? Será o Brock? Ainda remoemos as más atuações do Xaro no Gauchão deste ano. Podemos até conjecturar – e devemos fazer isso –, mas, mesmo os mais críticos, se pressionados daqui e dali, acabam por confessar sua confiança nas decisões do treinador. “Ele sabe o que faz” – admitimos resignados. Quantas vezes já mordemos a língua? É sempre bom lembrar: em período de abstinência, a corneta pode levar ao isolamento social. É melhor pensar antes de falar bobagem. Não tendo outros torcedores para dialogar, esse intervalo de tempo sem jogos pode ficar insuportável.

A verdade é que quanto mais o Brasil entra em nossas vidas, mais fazemos com que ele se torne parte orgânica dessa breve, porém intensa, passagem pelo mundo. Temos que aproveitar ao máximo. Vez por outra nos flagramos pensando se existiria uma partida do xavante depois da morte. Quem seria escalado? Nossos parentes, amigos e saudosos jogadores que já partiram estariam presentes? Quem seria o nosso adversário? Chegamos a ver o estádio lotado. Os jogadores aquecendo. Ouvimos a torcida cantando. Até o cheiro da fumaça do churrasquinho conseguimos sentir. Mas, afinal, onde estamos com a cabeça? Fugimos da realidade! É melhor a partida contra o Paraná chegar logo. A alucinação é um dos mais graves sintomas da abstinência.

Certamente torcer pelo Brasil é um vício. Mas não um vício comum. Não existe possibilidade de cura. Também não há espaço para recaídas, pois jamais o abandonamos. Ser xavante – nas “boas” e nas “ruins” – gera uma sensação de bem estar única. Entra na corrente sanguínea de modo a acelerar e, ao mesmo tempo, acalmar o coração. Não conseguimos mais ver o futebol como um esporte qualquer. Não se trata de apenas “torcer”. Tornamos-nos dependentes. Os adversários nunca nos verão esmorecer.

Quantas vezes, mesmo doentes, rumamos para o Bento Freitas? Cada gol do Brasil é uma injeção de entusiasmo em nossas veias. Gera um sentimento que nos deixa curados seja lá do que for. Ali, naquele espaço de concreto – chamado de arquibancada –, entendemos, definitivamente, que somos iguais uns aos outros. Ser viciado no xavante é isso. É tornar-se amigo de quem está ao seu lado, na Baixada, sem nunca tê-lo visto antes. É reconhecer a importância de cada um para a força que emerge do todo. É saber aproveitar cada instante de alegria. É como se, a cada vitória, o mundo parasse e, naquele lapso temporal, nossas vidas, enfim, fizessem sentido.

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1 Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, doutorando em Letras pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e, acima de tudo, torcedor xavante. E-mail: [email protected].


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