Colunas>Eduardo Silveira de Menezes
|
3 de agosto de 2016
|
11:40

A histeria intolerante do analfabetismo político

Por
Sul 21
[email protected]

Por Eduardo Silveira de Menezes

Eles vão “às ruas” contra um único partido, mas intitulam-se “apartidários”. Exigem um “Brasil livre”, mas querem livrá-lo apenas das opiniões que divergem das suas. Estão se especializando em promover “revoltas on-line” e, geralmente, conversam com você como se ainda vivêssemos no contexto da Guerra Fria. Nunca leram muito a respeito. Cá entre nós, não gostam de ler. Medem a espessura dos livros. Movem o cursor até o final da página e, só depois de analisar o tamanho do texto, decidem se farão a leitura. Desconhecem qualquer posição política que não se fundamente pelo falso binarismo: “petismo” versus “antipetismo”. Costumam teatralizar conflitos que nem bem entendem. Precisam de público. Sofrem dissociações mentais graves.

Os insultos dirigidos à atriz Letícia Sabatella, no último domingo (31), em Curitiba, são característicos, justamente, do exagero teatral que é inerente a essas reações emocionais. Sugestionados por movimentos ditos “apartidários”, eles costumam vestir-se de verde e amarelo e não tardam a proferir sempre as mesmas frases de efeito. “Nossa bandeira jamais será vermelha” – bradam emocionados. Incapazes de contrapor uma ideia sem a tentativa de justificar um erro por outro, acusam movimentos sociais ligados ao PT de agirem de forma semelhante. Não tente explicar que você discorda desse tipo de atitude seja lá contra quem for. O pensamento é muito raso: se não está com eles, está contra eles.

Sabatella não foi a primeira e não será a última a cruzar o caminho dos intolerantes políticos. Em dezembro de 2015, o cantor e compositor Chico Buarque também foi hostilizado por um grupo de jovens antipetistas. “Você é um merda” – sentenciaram, de forma performática, os mesmos que reverenciam figuras como Danilo Gentili, Roger Moreira e Alexandre Frota. Em outro caso recente, o ator José de Abreu reagiu às ofensas dirigidas a ele e a sua companheira, em um restaurante, na cidade de São Paulo. Cuspiu no casal que o provocara. De acordo com o ator, ele teria sido chamado de “ladrão” e sua esposa de “vagabunda”. É óbvio que a atitude não se justifica. Histeria não se combate na mesma moeda, mas com tratamento psiquiátrico.

Aliás, é bom que se diga, a teatralidade do discurso histérico, no âmbito da conjuntura política brasileira, tende a marcar-se no insulto. E essa é uma conduta própria de analfabetos políticos. Os arroubos emocionais dizem muito sobre esses personagens anônimos que estão ganhando notoriedade no atual momento político do Brasil. Buscam atrair para si uma suposta superioridade moral, mas costumam relativizar as denúncias de corrupção envolvendo membros da cúpula peemedebista. Sofrem de uma grave patologia moderna, mas não percebem. Na cabeça dessas pessoas, que flertam – mesmo inconscientemente – com o fascismo, se você ousar pensar para além dos limites do “antipetismo” estará, tacitamente, aceitando os equívocos cometidos nos governos do PT.

Eles guiam-se pela intuição. Não agem movidos por uma convicção ideológica, embora seus atos, inevitavelmente, sejam marcados pelo autoritarismo e a condenação de qualquer pensamento contraditório. São performances pouco autênticas. Quando confrontados sobre a legitimidade do governo interino de Michel Temer (PMDB), recorrem a evasivas. A polêmica composição ministerial, associada ao arrefecimento do combate à corrupção e ao aprofundamento do ataque aos direitos trabalhistas, acusa a falta de um juízo bem fundamentado para a defesa do impedimento de Dilma sem a reivindicação de novas eleições.

Fingem. Apenas isso. Fingem que estão preocupados com o país. Fingem que não toleram corruptos. Fingem que o governo petista priorizou as políticas sociais em detrimento da subserviência ao capital financeiro internacional. Não importam os fatos. Não querem nem ouvir falar da política de alianças estabelecida durante os mais de 12 anos de governo do PT. Encenam. Assumem papéis de coadjuvantes em um cenário que caminha para a ruptura da ordem institucional. Agem de modo a exacerbar um “nacionalismo” que, até então, só se fazia presente em jogos da Copa do Mundo.

Carnavalizam a militância política. Ocupam ruas e avenidas por todo o país de modo a particularizar um problema que é estrutural. Indiferentes à sua resolução, não exigem reforma política. São liderados por caricaturas infantis dos generais de 1964. São fantoches de um teatro reacionário, cujo palco transfere-se das redes sociais para as ruas com muita celeridade. Cientistas políticos de internet. Nacionalistas de ocasião. Perderam a fala e a visão. Seus olhos não os pertencem. Suas palavras, tampouco. Refletem apenas a visão turva de um projeto de poder derrotado nas urnas, mas que encontrou na psicopatia do antipetismo uma forma performática de atingir seus mais sórdidos objetivos.

O discurso desses “manifestantes” não tem nada de original. São personagens burlescos em meio a um circo de horror. Ofendem não só figuras públicas, mas todos que possam divergir de suas ideias, na mesma medida que, dissimuladamente, elogiam a condução parcial da Operação Lava Jato. Só envolveram-se nessa “causa” porque viram uma oportunidade para chamar a atenção. Para sentirem-se participantes de um processo histórico. Contraditoriamente, negam esse mesmo processo histórico. Agir de forma seletiva os parece mais lógico do que combater os resultados práticos do pacote de maldades preparado pelo governo interino.

Estão perturbados, excitados, desequilibrados. Não podem conviver com a pluralidade de ideias. A rua os pertence. Quem não estiver de acordo com as suas convicções que vá para “Cuba” ou “Paris” – gritam, enraivecidos. Depois sorriem e elogiam as forças armadas. Não podem deixar de tirar uma selfie com a polícia militar. Ontem, supostamente “apartidários”; hoje, analfabetos apolíticos convictos. Não gostam de política. É difícil gostar do que estão decididos a não entender. Preferem ser chamados de “apolíticos”.

Não veem contradição nos discursos sectários de seus líderes. Não os assumem como líderes. Não percebem que a verdadeira doutrina em curso, no Brasil, mesmo nos governos petistas, é a neoliberal. São defensores da escola “sem partido”, cujos projetos de lei, ao serem elaborados, não promoveram um amplo e aberto debate com o conjunto da sociedade. “É preciso acabar com a doutrinação marxista” – dizem, mas nunca tiveram a iniciativa de ler a orelha de um dos livros de Friedrich Engels e Karl Marx. Conhecem as cores da sua bandeira. Não é vermelha. Seria preta? Desconhecem os significados.

Não compreendem a realidade política e econômica do país em que vivem porque se acostumaram a interpretar os fatos pelo feed de notícias do Facebook. Eles julgam ter muitos “méritos”. Acreditam que “venceram na vida”. Entendem a passagem pelo mundo como uma grande – e permanente – competição. O importante é consumir. Trocar de aparelho celular, de carro, de casa e do que mais ficar obsoleto ou deixar de “fazer sentido”. Por que não subtrair um mandato legítimo? Às favas com a democracia. Na visão deles, as coisas são mais simples. A gente é que complica. Existem os “bons” e os “maus”. Os melhores vencem. Simples assim. Mas, se eles “não vencerem”, se não “prosperarem”, a culpa será sempre do governo ou da burocracia do Estado. Nesse caso, nada terá a ver com “mérito”. Querem que os outros sintam piedade de suas “vidas sofridas” de ilibados representantes da classe média. Na prática, estão apenas sendo cruéis contra si mesmos.

.oOo.

Eduardo Silveira de Menezes é jornalista, mestre em Ciências da Comunicação pela Unisinos e doutorando em Linguística aplicada – com ênfase em análise do discurso pêcheuxtiana – pela UCPel. E-mail: [email protected].


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora