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3 de janeiro de 2018
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11:25

Repensar o Golpe, planejar 2018 e reconstruir o país

Por
Sul 21
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Repensar o Golpe, planejar 2018 e reconstruir o país
Repensar o Golpe, planejar 2018 e reconstruir o país
“O ano de 2018 se inicia como uma incógnita. Quais os rumos da sociedade nacional?” (Foto: Maia Rubim/Sul21)

Alex Alexandre Mengel

O encerramento do ano de 2017 e o início de 2018, por um lado, é um período em que ainda pensamos com perplexidade a respeito do golpe parlamentar que se constituiu no Brasil em 31 de agosto de 2016, e, por outro lado, é o tempo que pensamos em como será a disputa de poder, bem como seu sentido, no ano nascente. Estes dezesseis meses que nos separam do último fatídico agosto brasileiro foram marcados por uma série de reformas, dentre elas a emenda constitucional do teto de gastos, a lei da terceirização e a reforma trabalhista. Estas reformas contribuem para entendermos o sentido daquele golpe, executado por indivíduos envolvidos nos mais diversos crimes e atualmente encarcerados.

O economista polonês Michael Kalecki, em 1943, observava que até aquele momento nenhum país democrático havia conseguido manter políticas de promoção do pleno emprego por muito tempo. Em sua perspectiva, classes proprietárias são favoráveis à intervenções limitadas de governos em períodos de crises econômicas, entretanto, são extremamente contrárias a políticas que mantenham as condições próximas ao pleno emprego em longo prazo. Isto porque a manutenção destas políticas exige crescente poder do governo na economia e, por conseguinte, uma diminuição do poder dos capitalistas. Além disso, o pleno emprego gera um crescente poder de barganha dos trabalhadores, dificultando sua submissão às condições de trabalho exigidas pelos capitalistas. Ademais, possibilita uma maior organização desta classe, por meio de sindicatos e um aumento da participação popular nas decisões governamentais, gerando assim novas pressões por aumentos salariais.

As tensões por aumento da participação dos salários no produto total da economia, por um lado, e dos lucros e rendas capitalistas, por outro, geram pressões inflacionarias que possibilitam a retomada do poder por grupos e partidos interessados em reorganizar a sociedade via políticas macroeconômicas contracionistas. Ou seja, políticas que diminuam o grau de investimento, o consumo capitalista, o consumo dos trabalhadores e o consumo do governo, possibilitando, assim, uma desocupação dos fatores produtivos, sendo o fator trabalho o mais importante nesse processo.

Muito ouvimos falar, por parte dos defensores do livre mercado, da incapacidade do Estado em intervir na economia. Por esta razão, os rogadores desta causa afirmam serem desnecessárias intervenções estatais na economia. Entretanto, percebemos que os capitalistas aceitam e defendem intervenções estatais, quando estas os beneficiam diretamente. Um exemplo da boa aceitação da intervenção estatal é o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER), elaborado pelo Governo FHC, com o objetivo de salvar o sistema bancário nacional, após a estabilização da moeda. O PROER custou cerca de 2,5% do PIB nacional de 1995 a 1997 e foi alvo de grandes polêmicas, inclusive de uma CPI no Senado – todavia, é solenemente defendido pelo conjunto de capitalistas do mercado financeiro até a atualidade.

Em resumo, as classes proprietárias são contrárias a políticas que diminuam seu poder em relação ao governo ou aos trabalhadores. Para evidenciar nosso argumento sobre as causas da derrubada do governo Dilma, traremos alguns dados dos Governos petistas que dizem respeito ao nível de emprego, à participação do salário na economia; à participação do governo na economia; e à participação popular no governo.

O Governo Lula iniciou seu primeiro mandato com uma taxa de desemprego de 12,3% e encerrou seu segundo mandato com uma taxa de desemprego de 6,7%. Já o Governo Dilma encerrou seu primeiro mandato com uma taxa de desemprego de 4,8%.Estes dados somente evidenciam a prioridade das políticas do período em aproximar a economia brasileira do pleno emprego, políticas estas desenvolvidas por doze anos ininterruptos, mesmo existindo duas graves crises internacionais – em 2008 e 2012. Outro dado que evidencia a eficácia das políticas de emprego dos governos petistas é o tempo médio em que a pessoa permanece à procura de trabalho – no ano de 2003 uma pessoa permanecia, em média, 17,8 semanas a procura de emprego, dez anos depois, o indivíduo permanecia 12,4 semanas desempregado. Ambos os dados demonstram que os trabalhadores passaram a deter maior poder relativo nos governos Lula e Dilma.

Além da participação dos salários na economia ter aumentado, pela ampliação do número de trabalhadores empregados – o que já possibilita um maior poder de barganha dos trabalhadores devido a maior organicidade – no período 2003-2013 o salário mínimo real teve um aumento de 75%. Ou seja, a participação dos salários na renda nacional cresceu mais que os lucros no período, bem como a importância política dos trabalhadores, mais numerosos e com poder aquisitivo maior.

Ademais, a participação econômica das classes não proprietárias na sociedade brasileira ocorreu, sensivelmente, por meio dos programas de transferência de renda. No ano de 2004 o Bolsa Família distribuía recursos equivalentes a 0,2% do PIB, já no ano de 2013 este programa distribuía recursos equivalentes a 0,5% do PIB brasileiro.

O aumento da participação econômica das classes não proprietárias na sociedade brasileira até 2013, paradoxalmente, é um fator essencial para a crise política do governo que propiciou tal participação. A ampliação de participação inviabilizou politicamente a tomada de decisões contrárias aos assalariados, e quando decisões nesse sentido foram tomadas o governo sofreu sérias consequências políticas. Um exemplo são as greves realizadas pelos trabalhadores: entre 1998 a 2011 não existiram mais do que 550 greves anuais, sendo que, em cinco anos deste período, o número de greves foi menor que 350 e só em três anos foi maior que 500. Já no ano de 2012 ocorreram 877 greves no país e, em 2013, ano de necessário ajuste econômico devido a crise internacional, aconteceram 2050 greves, sendo 796 em organizações públicas e 1106 em organizações privadas. Cabe destacar que 2013 foi o ano com o maior número de greves da série histórica do DIEESE iniciada em 1984. Ademais, entre 2014 e 2015 ocorreram mais de duas mil greves e, em 2016, ocorreram 2093 greves.

As greves, no caso brasileiro, expressam a radicalização do conflito distributivo, existente em crises, após um período de aumento da importância econômica das classes não proprietárias, em sociedades democráticas. Os conflitos não ocorrem porque o governo ou empresários diminuem o salário nominal dos trabalhadores, mas porque é impossível aumentar os salários no mesmo grau dos reajustes de preços que os empresários e governo tem o poder de impor e impõem quando seus lucros e impostos diminuem.

Por outro lado, os empresários perdem o interesse na manutenção do governo, quando o mesmo não consegue controlar os trabalhadores e garantir a produtividade do trabalho. Recordemos, nesse sentido, que o número de horas em greve dos trabalhadores, entre 1997 e 2010, foi inferior a 30 mil horas anuais em 11 anos e somente em um ano, 2010, este número alcançou as 44 mil horas. Já no ano de 2011 o número de horas paradas foi de mais de 63 mil, ao passo que no ano de 2012 foram aproximadamente 87 mil horas paradas e no ano de 2013 esse número ultrapassou as 111 mil horas. Este número não diminui nos anos posteriores, ao contrário, a radicalização só faz aumentar.

Em contrapartida, o ambiente de crise econômica internacional e crise sociopolítica interna traduziu-se na diminuição dos investimentos, que recuaram 4,5% de 2013 para 2014 e 14,1% de 2014 para 2015. É sabido que os investimentos são o dínamo para a geração de empregos, sendo assim, sua diminuição traduz-se em crise social ainda maior.

A crescente participação econômica das classes não proprietárias produz uma mudança substancial no poder de barganha dos trabalhadores. Isto acaba por gerar um aumento da demanda por maior participação popular nas decisões do governo e das grandes empresas, além pressões por aumentos salariais. Entretanto, além da crescente demanda, os governos petistas estimularam a participação popular, por meio de audiências públicas e conselhos, onde os trabalhadores tiveram espaços até então inexistentes. Entre 2003 e 2013 foram criados 19 novos conselhos e 16 foram reformulados. Além disso, entre 2003 e 2014 foram realizadas 98 Conferências Nacionais, que trataram de 43 temas distintos. À título de comparação, em todo o período histórico anterior da república brasileira até 2002, haviam sido realizadas somente 41 destas conferências.

Em maio de 2014, como uma forma de aprofundar a política de participação social inaugurada no Governo Lula, a Presidenta Dilma instituiu, por meio de decreto, a Política Nacional de Participação Social – PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social – SNPS. Tal política tinha como objetivo central fortalecer a participação social na administração pública federal. Já entre os objetivos específicos estavam: consolidar a participação social como método de governo; promover e consolidar a adoção de mecanismos de participação social nas políticas e programas de governo federal; desenvolver mecanismos de participação social nas etapas do ciclo de planejamento e orçamento; desenvolver mecanismos de participação social acessíveis aos grupos sociais historicamente excluídos e aos vulneráveis. Tal decreto foi rejeitado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, após as eleições presidenciais.

O decreto da Presidenta Dilma tentou institucionalizar e aprofundar uma política de participação em um momento de amplo conflito distributivo, onde os empresários estavam extremamente desgastados pelos movimentos dos trabalhadores. A preocupação da classe empresarial era o controle da classe trabalhadora, em um momento de crise econômica internacional e crise social interna. Já a proposta do Governo petista foi o contrário, ou seja, dar mais poder aos trabalhadores. Tal proposição, em nossa opinião, serviu para ampliar o distanciamento de empresários fundamentais na sustentação do Governo Lula.

A participação do Governo Lula na economia restringiu-se a políticas de apoio do investimento, políticas de incentivo ao consumo e políticas de crédito tanto para investimento quanto para consumo. Ou seja, teve uma política monetária expansionista ao mesmo tempo que incentivou o consumo de uma parcela da população economicamente excluída. Desta maneira, mesmo tendo algumas oposições ao sentido de sua política, o governo beneficiava atores nos mais diversos setores e estratos sociais. Em troca, tais atores mantinham-se como apoiadores.

Contrariamente, já no primeiro mandato, o Governo Dilma pressionou os bancos para diminuição dos spreads bancários (diferença entre a taxa de juros que o banco toma dinheiro emprestado e a taxa de juros que o banco cobra). Assim, fez forte pressão sobre o setor bancário e ampla divulgação, sugerindo que obrigaria o setor a diminuir seus spreads. Centenas de artigos da época sobre o tema podem ser encontradas na internet. O instrumento para a realização de tal objetivo seriam os bancos públicos. Estes reduziriam suas taxas e obrigariam os demais a fazerem o mesmo para não perderem clientes, o que realmente ocorreu.

O spread bancário médio recuou 2,8% em 2012 atingindo a marca de 11,5%. Porém, em dezembro de 2014, o spread bancário médio chegava a 14,9%. Destaca-se que a inadimplência, em dezembro de 2014, era a mais baixa da série histórica, situando-se em 2,7%. Ou seja, os bancos aumentaram os spreads como maneira de aumentar sua taxa de lucros. A batalha travada pelo Governo Dilma em torno dos spreads é central devido ao fato da renda da classe proprietária não ocorrer somente pela lucratividade dos seus negócios e sim pela rentabilidade de seus investimentos financeiros, sendo o setor bancário central para todas as carteiras de investimentos.

Lembremos que o consumo dos trabalhadores provém fundamentalmente do crédito nesse período e é o setor bancário que oferece tal serviço. Assim, o aumento do consumo beneficia todos os investidores dos bancos e não só as empresas voltadas ao consumo. Impedir que os bancos mantenham sua taxa de lucros, distribuam dividendos e valorizem suas ações, acaba por ser uma política que não atinge somente o setor bancário e sim toda a classe proprietária.

Desta maneira, o Governo Dilma conquistou opositores que foram muito importantes na manutenção do Governo Lula e que foram parceiros das políticas de ampliação do consumo e investimento, gestadas em meados da década 2000. Por outro lado, a impossibilidade de manter os juros em trajetória descendente gerou grande desapontamento por parte da população que tinha seu consumo restringido e seu endividamento aumentado. Ou seja, foi justamente em torno dos juros a outra arena de disputa dos conflitos distributivos.

As causas da derrubada do Governo Dilma repousam nas várias políticas de diminuição do poder relativo das classes proprietárias, em relação ao aumento relativo da importância econômica e política dos trabalhadores. O golpe ocorre em um momento de crise internacional e de acirramento do conflito distributivo interno, expresso em crise social e política. Além disso, o fator central para a perda de apoios do governo foi sua decisão por não reestabelecer a ordem e centralizar os movimentos trabalhadores – tenha sido tal decisão voluntária ou não, isso também não importa. Ao contrário, a Presidenta decidiu aumentar a participação das classes não proprietárias no governo, por meio de decreto. Desta forma, vários dos apoios fundamentais de empresários deixaram de existir, ao mesmo tempo em que as pressões dos trabalhadores aumentaram. Neste contexto, os próprios opositores ao governo utilizaram-se do voluntarismo dos movimentos de trabalhadores e movimentos sociais para enfraquecê-lo.

O ano de 2018 se inicia como uma incógnita. Quais os rumos da sociedade nacional? O sentido das políticas do que resta do Governo Temer se orienta para o fortalecimento das classes proprietárias, seja econômica ou politicamente. É delas que vem o apoio do Governo e é por isso que ele permanece em pé mesmo tendo uma popularidade tão baixa. Não é o imobilismo popular que mantém o governo, ao contrário, é o ativismo dos empresários dos mais diversos setores: financeiros, midiáticos, industriais, agroindustriais. São eles que garantem o apoio do Congresso Nacional ao Governo, que exigem a aprovação das reformas necessárias ao enfraquecimento das classes não proprietárias o mais breve possível.

Neste momento percebemos o poder das classes proprietárias no sistema político brasileiro de uma maneira que nos desabituamos a enxergar nos três Governos Lula e Dilma e, simplesmente, não sabemos como responder a isso.

Tal expressão de poder ocorre agora porque a aliança política construída por Lula deixou de existir, as classes proprietárias perceberam seu poder diminuído pelas iniciativas do Governo Dilma, já abordadas aqui. Nesse sentido, notamos que a sensação de poder político dos trabalhadores era ilusória e é necessária a construção de alianças entre trabalhadores e empresários para o bom andamento social, econômico e político brasileiro.

O ativismo das classes proprietárias irá continuar nas eleições presidenciais de 2018. Não importa se o financiamento será público ou privado, os empresários sempre terão grande poder para influenciar o voto da população, assim como tem poder para influenciar as mobilizações populares, via controle midiático e influência da mídia digital. Sabendo disso, podemos afirmar que é necessário convencer as classes proprietárias da importância de garantir as políticas de manutenção do pleno emprego.

Os últimos anos foram didáticos para evidenciar que a aliança entre as classes proprietárias e não proprietárias são necessárias para governar, caso contrário ocorre uma paralisação do sistema político, sem vencedores. A menos que pensamos ser possível uma revolução socialista e assim, dispensemos a democracia. Ou então que as classes proprietárias queiram uma ditadura que mantenham os trabalhadores sob grilhões de ferro, o que também não nos parece ser de interesse dos setores empresariais voltados ao consumo, dentre eles o setor financeiro, extremamente beneficiado pelo consumo de massas.

O ano de 2018 aguarda, assim, uma reconciliação. Caso contrário as disputas fratricidas existentes em nosso país enfraquecerão todos os seus atores até uma reconciliação posterior ou uma ditadura qualquer, seja de esquerda ou direita, pouco importa – cassetete é cassetete e chumbo é chumbo.


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