![A Promessa](https://sul21.com.br/wp-content/uploads/2021/03/20170925-armenians_marched_by_ottoman_soldiers_1915-450x300.png)
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por Sandra Djambolakdjian Torossian
Abro a janela esperando os ares da primavera. Junto às cores e à brisa que ela carrega, invadem notícias de intolerância: feminicídios, extermínio racial, extermínio juvenil, retrocesso judicial sobre “terapias de reversão”. Que fim levou a primavera árabe?
As flores e o clima primaveril habitam o nosso imaginário. Estação do amor, das novas conquistas. Vida que se renova e faz florescer o que foi plantado. Tudo em harmonia com os cheiros e o clima da nova estação.
Uma história de amor ameniza o roteiro do filme A Promessa (direção de George Terry, 2017). É a primeira vez que Hollywood apresenta ao grande público a história de um genocídio o qual, segundo a história oficial, nunca aconteceu. Outros filmes independentes como Ararat (Direção de Atom Egoyan, 2002) fizeram essa tentativa, mas ganharam espaço somente no circuito alternativo de cinema.
Financiado por quem sentiu na pele as consequências do genocídio armênio, o filme A promessa coloca na tela atores conhecidos como Christian Bale e ganha horários restritos nos cinemas das grandes cidades. Fazendo assim aparecer, aos olhos do público, uma história que a maioria desconhece.
Dando contorno ao romance há o clima da Primeira Guerra Mundial. Uma sucessão de cenas de extermínio, crueldade e perseguição que nada tem a ver com a Guerra. Trata-se do genocídio de um povo que custou a acreditar no que estava acontecendo. Abundam as cenas de pessoas mortas à beira dos rios, velhos, crianças e fetos arrancados dos ventres maternos.
A cena mais violenta, no entanto, não tem sangue nem mortos.
É a cena do silenciamento do massacre. O general turco exige que o jornalista, vivenciado por Bale, rasgue suas anotações e, no lugar do relato das atrocidades ali escritas, entregue ao mundo a versão de uma remoção dos armênios do território turco para um lugar melhor.
Um milhão e meio de armênios perderam suas vidas nessa “remoção”.
Conivente com a versão turca, a comunidade internacional não reconhece até hoje o genocídio, e assim os descendentes das famílias refugiadas ficam sem o amparo necessário para contar sua história. Nada se fala da barbárie, dos conflitos econômicos, religiosos e intelectuais que o produziram.
A Psicanálise nos ensina que o silêncio e a cegueira seletiva têm graves conseqüências. Transforma-se em repetição aquilo que não se quer ver.
A colheita primaveril da germinação do silencio não são as flores nem a brisa fresca. Mas a repetição da violência e a perpetuação da barbárie.
Extermínios não reconhecidos como tais continuam produzindo ondas de mortes e de refugiados sem lugar. No Oriente, na África, no Brasil. A transformação do extermínio em remoção produz trauma e violência.
Narrativas históricas perversas invertem os acontecimentos quando apresentam versões opostas aos fatos. Negam-se os feminicídios e o extermínio juvenil, silencia-se brutalmente o racismo, encobre-se a intolerância religiosa e patologizam-se as diferenças de gênero e as diferenças sexuais.
Enquanto continuarmos compactuando com versões perversas da História, continuaremos cegos e perpetuando a barbárie.
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Sandra Djambolakdjian Torossian é psicanalista, membro da APPOA, professora do Instituto de Psicologia da UFRGS/Departamento de Psicanálise e Psicopatologia.