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10 de dezembro de 2016
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09:30

Questão de incentivos

Por
Sul 21
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size_960_16_9_dinheiro9Por Cecília Hoff

Diante da situação financeira calamitosa dos Estados, a explicação, por ora dominante no debate público, de que a crise teria origem no excesso de gastos e benesses, razão pela qual não poderia ser solucionada com a ajuda da União, soa demasiado simplista. Tal visão desconsidera a brutal frustração de receitas que atingiu todas as esferas de governo nos últimos três anos, assim como o fato de que a estratégia adotada pelo governo Temer para enfrentar a crise – aumentar o déficit e emitir dívida, no curto prazo, ao mesmo tempo em que promete um ajuste fiscal de longo prazo – não pode ser reproduzida nos entes federados, haja vista os limites ao endividamento impostos por lei. Já tendo cortado mais do que o aceitável em despesas não urgentes, ainda que muitas vezes importantes, como os investimentos, os governos se veem obrigados a reduzir os serviços básicos, atrasar pagamentos e avançar sobre os direitos dos servidores, o que tem contribuído para agravar a crise. A ausência de uma proposta de solução nacional para este impasse, sob o argumento de que poderia estimular o comportamento irresponsável de alguns Estados, ignora ao mesmo tempo as origens estruturais da crise e a própria noção de federação.

Pelo lado das despesas, a crise estrutural é bem conhecida e tem como causa principal o crescimento do déficit previdenciário, sobretudo nos Estados onde o envelhecimento populacional é mais acelerado. No lado das receitas, além da queda conjuntural que resulta da política nacional de desonerações e da recessão, também pesam questões estruturais. No federalismo fiscal brasileiro, os governos estaduais administram diretamente apenas dois impostos, o IPVA e o ICMS, que juntos representam menos de um terço da carga tributária nacional. Nas economias de base exportadora, como o Rio Grande do Sul, acumulam-se perdas relacionadas à Lei Kandir, que desonerou as vendas externas em nível nacional, sem as devidas compensações regionais. E a despeito do espaço reduzido para a administração das receitas, disseminou-se, entre os diferentes governos e sob o olhar complacente da União, uma competição insana por investimentos através da concessão de benefícios fiscais. Nessa guerra entraram inclusive os Estados com dificuldades financeiras, a fim de evitar a redução do dinamismo de suas economias frente à ameaça de migração de empresas e perda de investimentos.

No caso do Rio Grande do Sul, estima-se que estes incentivos representam uma renúncia fiscal de cerca de R$ 9,0 bilhões ao ano. O valor é impressionante e contrasta com a economia na casa dos milhões que o Governo Sartori pretende fazer com a extinção de órgãos públicos. Mas a redução dos incentivos não é uma questão trivial. Argumenta-se que muitos estão vinculados à geração de empregos em setores específicos, às vezes em pequenas empresas, as quais representam parcela importante da renda de alguns municípios. Note-se que um dos critérios para o enquadramento é justamente o nível de desenvolvimento do município onde será efetivado o investimento. Além disso, os incentivos em geral não são integrais, o que implica em algum retorno fiscal, mesmo que reduzido. Ainda assim, há pouca transparência, seja quanto aos critérios de concessão, seja quanto às empresas beneficiadas. Não há, também, uma avaliação sistemática de custo-benefício, ou seja, do impacto dos investimentos na produção do setor beneficiado e ao longo das cadeias produtivas, nos empregos diretos e indiretos, na arrecadação de impostos, frente aos custos da renúncia fiscal. Face à proposta de extinção de órgãos públicos, demissões em massa e interrupção de serviços à população, a transparência quanto aos benefícios fiscais e a avaliação da sua efetividade seriam, no mínimo, uma obrigação.

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Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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