Colunas>Cecília Hoff
|
25 de abril de 2016
|
10:38

Juros simples e juros compostos

Por
Sul 21
[email protected]
Juros simples e juros compostos
Juros simples e juros compostos

juros-simples-e-compostosPor Cecília Hoff

O Rio Grande do Sul e mais sete estados obtiveram, no Supremo Tribunal Federal, liminares que permitiram a redução, sem a aplicação de multas ou sanções, dos pagamentos das parcelas das suas dívidas com a União. Essa folga deve durar até que seja resolvido o impasse envolvendo a incidência de juros na renegociação das dívidas, aprovada na Lei Complementar nº 148, de 2014. Tal renegociação alterou os indexadores e as taxas de juros, de forma retroativa, visando corrigir distorções criadas na renegociação de 1995, que estabelecia a indexação pelo IGP-M, mais juros de 6,0% a 9,0% ao ano, e que gerou trajetórias de endividamento incompatíveis com a capacidade de pagamento de alguns entes. Ou seja, em alguns estados e municípios, os pagamentos mensais, limitados a um percentual máximo das suas receitas, não se mostraram suficientes para reduzir ou mesmo estabilizar o montante das dívidas, que passaram a acumular resíduos a ser pagos ao final dos contratos, e que acabaram restringindo a sua capacidade de financiamento.

A polêmica está centrada nos diferentes entendimentos sobre a regra de aplicação dos juros estabelecida na Lei. Conforme acordado, as dívidas passariam a ser reajustadas pelo IPCA, mais juros de 4,0% ao ano, ou a taxa Selic, o que for menor. No decreto de 2015, que regulamentou a renegociação, o Ministério da Fazenda entendeu que os juros deveriam ser aplicados de forma capitalizada (juros compostos, ou seja, com o pagamento de juros sobre juros). Já, no entendimento dos estados, a Lei estabeleceria a aplicação de juros simples sobre o saldo devedor. Conforme argumentam os governadores, a aplicação de juros compostos, ao invés de reduzir os estoques de algumas dívidas, acabaria ampliando-os, o que deturparia o sentido da Lei. Em tese, a dívida do setor público consolidado não se alteraria com a aplicação de juros simples, uma vez que a redução dos ativos da União seria compensada por uma redução dos passivos dos demais entes. Porém, a Fazenda alerta que a maior disponibilidade de recursos aos estados e municípios poderia contribuir para a redução do superávit primário desses entes, ampliando as dificuldades fiscais da União, caso seja necessário compensá-las para evitar o crescimento da dívida total. Segundo estimativas, com a aplicação de juros simples, 13 entes passariam a ser credores da União, o que resultaria em uma perda potencial de mais de R$ 300 bilhões, enquanto, com juros compostos, a perda seria de R$ 43 bilhões.

Ao propor, em paralelo à renegociação, um desconto temporário de 40% nos pagamentos mensais, bem como o alongamento dos prazos – medidas que ainda precisam ser aprovadas no Congresso –, a Fazenda reconhece, ao menos implicitamente, que a aplicação de juros compostos na renegociação traz pouco alívio ao caixa dos estados. Um motivo adicional para a sua insistência na aplicação de juros compostos, talvez até mais importante do que a possível redução do superávit primário, é o risco de ampliação da insegurança jurídica nas regras de financiamento do país. A grande maioria dos contratos de crédito, assim como das aplicações financeiras (poupança, títulos do tesouro, etc.), tem como base os juros compostos. Neste contexto, uma eventual decisão do STF em favor da utilização de juros simples poderia abrir uma onda de reivindicações de teor similar pelo restante da sociedade. Apesar do alerta da Fazenda, sabe-se que as revisões de débitos, quando levadas à justiça, em geral são decididas em favor dos devedores. Não deixa de ser irônico que, no Brasil, tanto os juros altos, quanto a capitalização, sejam proibidos por lei. Alguns advogados apontam, assim, que a jurisprudência sobre o tema tende a ser favorável aos estados.

O problema não parece estar na capitalização dos juros, em si, mas no fato de que a sua utilização, em um ambiente de juros elevados, contribui para que as dívidas – sejam elas das famílias, sejam dos estados – assumam trajetórias impagáveis. A justiça tem procurado corrigir essa anomalia, concedendo descontos aos devedores. Porém, o efeito colateral desse tipo de intervenção é a ampliação do risco embutido nos empréstimos, que acaba por reforçar o ciclo vicioso dos juros altos. Para alguns, a atitude dos estados foi irresponsável, dada a crise fiscal que o País atravessa. Para outros, foi um ato de desespero, face à queda das receitas e as dificuldades para o pagamento de despesas que não podem ser atrasadas, como os salários dos servidores. Na prática, os estados conseguiriam, com as liminares, algum alívio para organizar as suas finanças no curto prazo e, sobretudo, um canal para iniciar uma rediscussão do pacto federativo. O Rio Grande do Sul, que tem uma das piores, senão a pior situação financeira entre os estados, ganhou alguns (poucos) meses para respirar.

.oOo.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora