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20 de outubro de 2014
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10:33

A difícil transição para um novo ciclo de crescimento

Por
Sul 21
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A difícil transição para um novo ciclo de crescimento
A difícil transição para um novo ciclo de crescimento

Um dos temas mais importantes do debate eleitoral diz respeito às diferentes interpretações sobre as razões do baixo crescimento da economia brasileira, fato agravado pela persistência da inflação próxima ao teto da meta e pela rápida deterioração do déficit em transações correntes. Não há uma resposta única ou uma interpretação consensual. Simplificadamente, o governo vê nas dificuldades os efeitos do cenário internacional ainda claudicante, enquanto a oposição afirma que a crise mundial já está superada e que o baixo crescimento deriva exclusivamente da má gerência da política econômica interna.

O período eleitoral favorece exageros. As dificuldades dos países desenvolvidos no pós-crise persistem e os dados mais recentes mostram que a recuperação sustentada do emprego e da renda ainda está distante (ver, por exemplo, o último World Economic Outlook do FMI). Apesar da retomada – ainda incipiente – dos EUA, a Europa beira a deflação e o Japão, após um período breve de retomada em resposta aos estímulos monetários, estagnou novamente. Os países emergentes também desaceleraram no período recente, com destaque para a China e para o agravamento da crise na Argentina, que afeta proporcionalmente mais a economia brasileira. A desaceleração da China, lado a lado com a possibilidade de aumento da taxa de juros americana, também contribui para a queda dos preços das commodities, com sérias repercussões na produção, na renda e na balança comercial nacional. Os canais de transmissão do cenário internacional para a economia brasileira não se resumem, como frequentemente se afirma, à participação das exportações na renda nacional. À queda do volume exportado se somam a redução da renda associada às receitas com exportações de commodities, o aumento da competição pelo mercado interno e as decisões mais comedidas de produção, contratação e investimento das empresas multinacionais.

A despeito do cenário internacional, há, também, um movimento de redução do ritmo de crescimento da economia brasileira associado a fenômenos internos. Alguns dos elementos que permitiram a expansão entre 2004 e 2010 não se fazem mais presentes no contexto atual, entre os quais a situação de proximidade do pleno emprego e o final do ciclo de expansão da renda devido à incorporação massiva de mão de obra ao processo produtivo; o elevado endividamento das famílias e o final do ciclo de crescimento autônomo da demanda derivado da ampliação do crédito; e a menor liquidez internacional, que dificulta o recurso à apreciação cambial para compensar as pressões inflacionárias advindas da valorização salarial e do aumento da demanda. A indústria, que já encontrava dificuldades competitivas enquanto havia crescimento da demanda interna, encontra-se atualmente estagnada. Consideradas essas restrições, há algum consenso de que um novo ciclo de aumento da renda e do consumo poderia ser induzido pelo investimento e que o aumento da produtividade permitiria conciliar a continuidade do processo de distribuição de renda e a valorização dos salários com o controle da inflação. Neste aspecto, os investimentos em infraestrutura, mobilidade urbana e serviços públicos seriam, ao mesmo tempo, necessidade e oportunidade.

Apesar do amplo reconhecimento a respeito da importância do investimento para a emergência de um novo ciclo de crescimento no Brasil, os diagnósticos sobre o que precisa ser feito para estimulá-lo são bastante diversos. Para a oposição, a retomada do investimento e a ampliação da produtividade dependem da confiança nos fundamentos macroeconômicos, da credibilidade e da transparência das instituições públicas, além de reformas microeconômicas horizontais voltadas à ampliação da competitividade. A aposta é que, após um período de ajuste, talvez recessivo, a retomada do investimento seria rápida e o crescimento, a partir de então, se daria de forma mais equilibrada. Para o governo, a transição atual mostra-se delicada devido às incertezas do cenário externo, mas logo a economia começará a colher os frutos dos investimentos públicos e das concessões em infraestrutura, assim como dos investimentos dinamizados pela Petrobras e pela política industrial. Neste interregno, a preservação do emprego e da renda mostra-se fundamental para evitar o aprofundamento do ciclo recessivo e dar sustentação ao mercado interno, viabilizando o investimento privado. A aposta é que, superada a transição, um novo ciclo de crescimento da demanda poderia ser sustentado com maior produtividade e menor inflação.

As consequências de um ou de outro modelo para a economia gaúcha dependem de como serão conduzidas questões chave para a inserção do estado no ciclo de desenvolvimento nacional: a renegociação da dívida e a ampliação da capacidade de investimento do governo estadual; o apoio do governo federal para a superação dos gargalos de infraestrutura e para a ampliação dos investimentos em saúde, segurança e educação; e a política de descentralização regional das compras da Petrobras, da qual depende a continuidade do desenvolvimento da indústria naval e de equipamentos para a indústria de petróleo e gás no estado.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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