Colunas>Cecília Hoff
|
22 de setembro de 2014
|
11:34

Mudança setorial e desempenho da indústria estadual

Por
Sul 21
[email protected]
Mudança setorial e desempenho da indústria estadual
Mudança setorial e desempenho da indústria estadual

Já era esperado um arrefecimento do nível de atividade da indústria gaúcha em 2014. O crescimento de 7,6% em 2013 foi determinado, em grande medida, por fatores pontuais – entre eles, o crescimento da produção de automóveis e peças, puxado pela expansão das vendas de veículos pesados no âmbito do PSI, e a recuperação da produção de derivados de petróleo. Porém, o desempenho dos primeiros sete meses do ano superou as expectativas mais pessimistas. Apesar do crescimento de 1,5% em julho com relação à junho (na série ajustada sazonalmente, o que representa uma variação anualizada de cerca de 20%), a produção da indústria no estado ainda acumula uma queda de 4,9% nos sete primeiros meses do ano, na comparação com o mesmo período do ano anterior. Na economia nacional, os resultados também não são bons. A indústria de transformação brasileira mostrou recuperação em julho (0,8% com relação a junho, também na série ajustada, o que representa uma expansão anualizada de cerca de 10%), mas ainda acumula queda de 3,6% no ano.

O parque industrial gaúcho é um dos mais diversificados do país, de modo que o seu desempenho tende a acompanhar, em um prazo mais largo, a dinâmica observada em nível nacional. Neste contexto, os anos de 2012 e 2013 foram exceções. No primeiro, a indústria gaúcha cresceu abaixo da nacional, devido aos efeitos combinados da estiagem com a redução da produção de derivados de petróleo e do setor de veículos. Em 2013, a safra foi recorde e a produção daqueles dois segmentos se recuperou sobre uma base fraca. Assim, em 2014, era esperada uma normalização da atividade, com a indústria gaúcha alcançando um ritmo de crescimento mais próximo do nacional. Em que pese o fato de o desempenho nacional ser negativo no ano, o que também surpreendeu, os resultados relativamente  piores da indústria estadual podem ser atribuídos, pelo menos em parte, às dificuldades vindas da Argentina. As restrições impostas pelo país vizinho se refletiram na redução das exportações e da produção gaúcha de calçados, produtos químicos, automóveis e autopeças.

A despeito das oscilações conjunturais, a produção da indústria nacional está estagnada desde 2011, fenômeno que se reproduz também na indústria gaúcha. A estagnação é resultado de dificuldades competitivas acumuladas ao longo da última década, que estavam latentes, mas haviam ficado mais ou menos mascaradas enquanto expandiam-se a economia mundial e o mercado interno. As dificuldades decorrem de um aumento dos custos internos, entre os quais os aumentos dos salários acima da produtividade e das despesas vinculadas à falta de infraestrutura, ambos agravados pela contínua apreciação cambial. Somados, custos e câmbio tiraram competitividade da indústria nacional e provocaram o vazamento para o exterior de parte da demanda interna por insumos, bens de consumo e bens de capital. Porém, pelo menos até 2008, a perda de competitividade da indústria, mesmo que visível, era amenizada pela expansão do mercado interno e pela orientação da oferta asiática aos mercados desenvolvidos, de modo que a produção nacional ainda cresceu. No pós-crise, e especialmente depois de 2011, a estagnação dos países desenvolvidos gerou um excesso de oferta mundial, que recrudesceu a competição entre mercados emergentes, ao mesmo tempo em que o ritmo de expansão do mercado interno desacelerou. Neste novo contexto, as dificuldades competitivas da indústria vieram à tona.

Como toda a média, o resultado agregado da indústria resulta de desempenhos distintos das partes. Tanto na indústria nacional quanto na gaúcha, os setores mais prejudicados na última década foram aqueles intensivos em trabalho, em que predominam a baixa intensidade tecnológica e o baixo valor agregado, de modo que a competição intra-setorial se dá, basicamente, através de ganhos de escala e redução de custos.  Na indústria nacional, os setores mais prejudicados foram os de produtos têxteis e artigos de vestuário, enquanto a produção de máquinas e equipamentos, veículos e material elétrico mostrou crescimento acima da média. Na indústria gaúcha, os produtos alimentícios, os produtos do fumo e os calçados registraram os piores desempenhos. Porém, os setores de máquinas e equipamentos, produtos de metal e veículos mostraram-se dinâmicos, superando, inclusive, o crescimento médio nacional. A mudança setorial em favor desses setores permitiu, também, um crescimento mais acelerado da produtividade estadual.

A retomada do crescimento da indústria gaúcha demanda a ampliação da sua inserção competitiva nos mercados nacional e mundial. Isso implica, entre muitos aspectos, na necessária reorientação estratégica dos setores tradicionais, bem como na ampliação e consolidação dos ganhos de produtividade recentes.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


Leia também