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5 de maio de 2014
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11:10

Mais poder do que realmente temos

Por
Sul 21
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Mais poder do que realmente temos
Mais poder do que realmente temos

Em artigo recente, o economista André Lara Resende apresentou uma discussão interessante sobre crescimento econômico (“Devagar e sempre”, no Valor de 17/4). O autor utilizou os resultados de um estudo de dois professores da Universidade de Harvard (Lawrence Summers e Lant Pritchett), para contextualizar a situação atual da economia brasileira. A principal conclusão do estudo é que os surtos de crescimento elevado, acima da média mundial, tendem a não se sustentar, sendo seguidos por períodos de recessão e estagnação ainda mais intensos. Salvo algumas exceções (como a Coreia do Sul, cujo crescimento acelerado foi seguido apenas por uma desaceleração), as evidências estatísticas mostrariam uma forte tendência de reversão para a média. O caso brasileiro seria representativo dessa tendência: após ter alcançado taxas de crescimento elevadas no pós-guerra e, principalmente, durante o período do “milagre”, a economia brasileira amargou duas décadas perdidas. Segundo o autor, mais valeria ter crescido menos, mas de forma sustentada.

A ideia central do estudo é que os surtos de crescimento, tanto os induzidos internamente, quanto os provocados por fatores exógenos, tendem a acumular distorções que culminam em crises e períodos prolongados de estagnação. A tese é polêmica, seja porque assume que a política econômica seria incapaz de promover a superação acelerada das condições de atraso, seja porque pressupõe que os choques exógenos favoráveis seriam, em geral, respondidos com uma deterioração da política econômica.  Ademais, a China caminha para, ao lado da Coréia do Sul, constituir-se em mais um ponto fora da curva. De qualquer forma, chamou-me atenção o seguinte trecho: “o discurso político trata o crescimento como se fosse uma variável sob controle completo dos governantes, capazes de garantir períodos de crescimento acelerado. Gostamos de nos atribuir mais poder do que realmente temos. A política econômica tem bem menos influência do que se pretende para acelerar o crescimento”. De fato, não se pode negar que em economias grandes, diversificadas e interligadas produtiva e financeiramente com o resto do mundo (não apenas via comércio exterior), a política econômica não atua sozinha. O desempenho econômico interno está intrinsecamente ligado ao que se passa em termos mundiais.

O cenário econômico mundial da última década é uma das principais explicações para o ciclo de crescimento alcançado pela economia brasileira no período 2004-2010, bem como para a estagnação registrada em 2011-2013. No primeiro período, fomos favorecidos pela expansão da demanda mundial e pela alta dos preços das commodities. Nos últimos três anos, a reversão desse ciclo trouxe dificuldades para a sustentação do ritmo de crescimento nos patamares anteriores. É verdade que a política econômica reforçou o ciclo anterior, em especial no que diz respeito à distribuição da renda e ao estímulo ao consumo interno de massas. Porém, a apreciação cambial, utilizada como amortecedor das pressões inflacionárias durante aquele período, criou distorções, como o aumento do déficit em transações correntes e a perda de competitividade industrial, que dificultam a retomada no período atual.

Nas economias regionais, a indução de um ritmo de crescimento acima da média – seja nacional, seja mundial – é ainda mais difícil. Embora as regiões tenham algumas especificidades econômicas e geográficas que lhes garantem ciclos econômicos por vezes diferenciados, os instrumentos de política econômica à disposição dos entes subnacionais são reduzidos. O governo federal pode utilizar as políticas fiscal, monetária, cambial, industrial e de comércio exterior, buscando intervir no ciclo econômico e, talvez, no desempenho de médio e longo prazos. Aos estados cabe apenas uma parte da política fiscal e, dentro de limites estreitos, impostos pela própria dinâmica fiscal, a política industrial. O Rio Grande do Sul, por ter uma das maiores e mais diversificadas economias do país, tende a apresentar ciclos econômicos muito similares aos observados em nível nacional – as exceções são os períodos de estiagem –, fenômeno ao qual se soma a margem estreita para a utilização da política fiscal como instrumento de intervenção. Neste contexto, e considerando-se que 2014 será um ano de normalidade climática (pelo menos para efeito das safras), um descolamento do desempenho da economia gaúcha em relação à economia nacional torna-se pouco provável.

Cecília Hoff é doutora em economia pela UFRJ, economista da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professora da FACE/PUCRS.


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