Colunas>Cecília Hoff
|
24 de fevereiro de 2014
|
18:05

Ajuste fiscal em ano de eleições

Por
Sul 21
[email protected]
Ajuste fiscal em ano de eleições
Ajuste fiscal em ano de eleições

Causou estranheza o Brasil ter sido elencado, ao lado de outros emergentes, como um dos países mais vulneráveis à redução dos estímulos monetários nos EUA. O Brasil, ao contrário de outros países incluídos entre os mais frágeis, possui um volume significativo de reservas internacionais (cerca de US$ 370 bilhões), além de uma dívida externa de curto prazo e vencimentos residuais da dívida de longo prazo relativamente pequenos, se comparados com o volume de reservas. Ainda que o crescimento do déficit em transações correntes no ano passado inspire cuidados, não há, no horizonte de curto prazo, risco de faltar dólar para pagar os compromissos mais imediatos com a dívida ou mesmo as importações. A fragilidade viria, a rigor, dos fundamentos internos, como a deterioração no quadro fiscal e a inflação persistentemente no teto da meta. Em resposta a isso, o Ministério da Fazenda anunciou, na última semana, a meta de superávit primário de 1,9% do PIB em 2014, prevendo um contingenciamento de gastos de R$ 44 bilhões, medida que se soma à elevação da taxa de juros que vem sendo conduzida pelo Banco Central desde abril do ano passado.

A meta fiscal foi bem recebida pelo mercado, o que pode ser comprovado pela queda do dólar e a alta da bolsa no imediato do anúncio, após algumas semanas de viés pessimista e volatilidade. Não se sabe, porém, quanto tempo essa boa vontade vai durar. O maior rigor fiscal agrada os segmentos mais conservadores da sociedade, seja porque reforça as garantias de que os vencimentos da dívida pública serão honrados, seja porque pode substituir ou complementar a elevação dos juros como elemento de contenção da demanda e pressões inflacionárias. O realismo da meta também foi considerado positivo. Os gastos foram cortados de forma criteriosa – deixando de fora os orçamentos da saúde, educação e ciência e tecnologia, mas reduzindo gastos com o PAC e emendas parlamentares –, e as estimativas de crescimento das receitas também foram bastante moderadas, na medida em que tomaram por base um crescimento do PIB de 2,5% em 2014, e não mais o crescimento de 4% sobre o qual se assentavam as estimativas de receita iniciais. Um corte de gastos maior ou uma expectativa de aumento das receitas muito otimista tornariam a meta fiscal inalcançável, o que minaria a credibilidade do anúncio. Parece que o Ministério da Fazenda acertou a mão.

O curioso é que também não há risco fiscal relevante na economia brasileira. É fato que houve uma piora no ano passado: o crescimento do PIB abaixo do esperado e as desonerações fiscais implicaram em frustração das receitas, e a “contabilidade criativa” também não ajudou, aumentando o ruído na comunicação entre o Governo e o mercado. Mas, ainda assim, o setor público consolidado produziu um superávit primário de 1,9% do PIB, e a dívida líquida como proporção do PIB se reduziu de 35,3% em 2012 para 33,8% em 2013, a despeito do baixo crescimento do PIB. É verdade que a desvalorização cambial contribuiu para essa redução (na medida em que aumentou o valor, em reais, das reservas internacionais), mas vale notar que a queda da dívida resultante da desvalorização cambial (1,7% do PIB) apenas compensou parte das despesas com juros (5,2% do PIB). O foco das críticas, porém, tem sido a proporção da dívida bruta sobre o PIB (57,2% em 2013), que é mais elevada, em parte devido aos aportes do Tesouro nos bancos públicos e à esterilização das reservas internacionais. O problema, neste caso, não é exatamente a falta de liquidez dos créditos dos bancos públicos junto ao setor privado ou das reservas, mas sim o diferencial de juros, mais alto nos passivos (taxa Selic) do que nos ativos (grosso modo, a TJLP e a remuneração quase nula das reservas internacionais). Na prática, essa diferença resulta em uma taxa de juros implícita sobre a dívida líquida maior do que a Selic (16,9% em 2014). De todo modo, também está no radar a redução, ainda que gradual, dos repasses ao BNDES.

As medidas visam, evidentemente, acalmar os mercados financeiros. O objetivo é evitar a perda do “grau de investimento” e reduzir o risco de um cenário de “tempestade perfeita”, como apontado pelo ex-ministro Delfim Netto. Uma disparada do dólar ou um excesso de volatilidade nos mercados poderia comprometer a trajetória de queda da inflação e gerar incertezas maiores para os investimentos. Ao que tudo indica, o ciclo eleitoral de 2014 será mais austero e diferente do usual. As medidas fiscais e monetárias sinalizadas certamente resultarão em um menor crescimento do PIB, podendo também debilitar a recuperação da indústria. Porém, no balanço de riscos, e considerando-se que a taxa de desemprego continua baixa, o “pibinho” parece ser um problema menor do que um ataque especulativo e a perda de controle da inflação.


Leia também