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31 de agosto de 2011
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15:16

Reforma Política: Resposta ao deputado Henrique Fontana

Por
Sul 21
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Prezado deputado Henrique Fontana.

Em primeiro lugar, quero agradecer pela leitura do Sul21 e em particular de minha coluna e, ainda, tua atenção em responder pessoalmente ao meu artigo da semana passada neste jornal eletrônico. Tenho apreço pelo teu trabalho como deputado, que considero qualificado, e reconheço que é muito louvável o teu esforço em encontrar um meio termo que viabilize a aprovação da reforma política.

Começando pelo fim de tua resposta, concordo que a palavra Frankenstein, para se referir aos efeitos possíveis da reforma política proposta pela Comissão da Câmara, é um tanto forte, mas considero-a adequada para alertar sobre a situação presente.  Entendo tuas ponderações sobre as dificuldades políticas para a aprovação da reforma política e concordo que é muito melhor aprovar o possível do que buscar o ótimo e não obtê-lo.

Aprovar uma reforma política que adote a eleição em chapa partidária fechada para os cargos legislativos, a chamada lista fechada, seria bastante difícil, sem dúvida, no Brasil hoje. Os interesses que seriam contrariados seriam imensos, principalmente dos atuais financiadores de campanhas que veriam suas possibilidades de controlar a atuação dos políticos serem bastante reduzidas. Também seriam fortes as resistências dos políticos que vêm se elegendo no sistema atual e que temem experimentar qualquer alteração que possa vir a prejudicá-los eleitoralmente.

Amplos setores da mídia, além disso, tem se empenhado em combater a proposta da lista fechada, argumentando que ela restringiria a possibilidade de o eleitor escolher seu candidato. Ledo engano ou esperta indução ao erro. Na verdade, a lista fechada ampliaria a possibilidade de escolha do eleitor. Na forma como hoje são compostas as nominatas dos candidatos dos partidos, não há obrigatoriedade nem o costume da participação das bases partidárias na escolha.  Na proposta apresentada por ti, como relator da Comissão da Câmara, são impostas aos partidos regras que obrigam a participação ampla dos filiados partidários no processo de definição das chapas.

Além disso, ao eleitor não partidário ficaria aberta a possibilidade de escolher entre as chapas dos diferentes partidos a que mais lhe agradasse. Aquelas que tivessem o maior número de candidatos com os quais ele não concordasse seriam descartadas e ele sufragaria a que contivesse o maior número de candidatos do seu agrado. Desta forma, em vez de votar em um candidato, o eleitor passaria a votar em quatro, cinco, dez ou mais candidatos, dependendo das chances de eleição de cada partido.

Tenho dúvidas, entretanto, se a opção pela fórmula pura do sistema de lista fechada seria o melhor no Brasil hoje. Estou inclinado a acreditar que um tipo de fórmula mista, diferente da contida na proposta da Comissão de Reforma Eleitoral da Câmara, por ti elaborada, seria mais adequado para as condições brasileiras da atualidade. Uma fórmula que conjugue o sistema de eleição proporcional de lista fechada com o sistema distrital majoritário. Mantendo-se a fórmula contida em tua proposta, metade das cadeiras seria preenchida pelo critério da proporcionalidade, como é hoje, mas por meio do voto em lista fechada, e a outra metade pelo critério majoritário, com a divisão dos eleitores em distritos de igual tamanho.

Com a combinação destes dois sistemas eleitorais, teríamos a manutenção da fórmula proporcional, que garante a diversidade social e ideológica nas câmaras representativas, e a introdução da fórmula majoritária por distritos, que garante a proximidade do eleito com seus eleitores e uma maior fiscalização dos primeiros sobre os segundos. Os eleitos pelo sistema proporcional em lista seriam os mais qualificados para as grandes elaborações políticas e as formulações de âmbito mais geral e os eleitos pelo sistema majoritário distrital teriam melhores condições de encaminhar as demandas particulares e geograficamente localizadas dos eleitores.

Somados estes sistemas eleitorais ao financiamento público exclusivo de campanha teríamos uma diminuição da concorrência intrapartidária e a consequente diminuição dos custos das campanhas eleitorais. Além disso, seria facilitada a fiscalização da origem e da utilização dos recursos financeiros das campanhas. Qualquer campanha eleitoral mais ostensiva poderia ser investigada, da mesma forma que a Receita Federal faz hoje com relação aos “sinais exteriores de riqueza”. Se alguém declara uma renda pequena e gasta muito ou tem casas e carros caros, fica logo evidente que sonega o fisco. O mesmo aconteceria com as campanhas eleitorais. Se algum candidato ostentar gastos maiores do que os demais, será porque dispõe de recursos advindos de uma fonte de campanha não pública.

Com a aplicação das três fórmulas combinadas, o financiamento público de campanha, o voto em lista fechada para o preenchimento de 50% das cadeiras e o voto distrital para o preenchimento dos 50% restantes, seria reduzido também o número de partidos relevantes.

Partidos relevantes são aqueles que detêm cadeiras suficientes para influenciar no resultado das votações nas câmaras representativas (senado, câmara federal, assembleias legislativas e câmaras municipais). Muitos deles, entretanto, não conseguem obter votos suficientes para conquistar cargos executivos e, por este motivo, não detêm responsabilidade de governo. São estes partidos, quase sempre, os que vendem apoio nas eleições e que chantageiam os governos, exigindo cargos e verbas em troca.

Considerando-se a composição da Câmara Federal, existem hoje sete partidos relevantes no Brasil: PT, com 86 cadeiras; PMDB, com 80; PSDB, com 53; DEM, com 43; PP e PR, com 41 cada e PSB, com 31. Outros 14 partidos detêm cadeiras naquela Casa Legislativa. Nenhum país do mundo com mais de quatro partidos relevantes conseguiu manter estabilidade política durante período de tempo expressivo. O caso mais flagrante, além do Brasil, é o Italiano, com suas turbulências frequentes.

Duas últimas sugestões:

1) quaisquer que sejam as fórmulas adotadas, tentar fazer com que elas sejam testadas inicialmente no âmbito municipal. Depois de experimentadas durante dois ou três mandatos elas poderão ser estendidas aos demais âmbitos. Lembro disto porque não existem fórmulas perfeitas. Existem no mundo mais de 70 sistemas político-eleitorais, uma evidência de que não nenhum deles é o ideal;

2) em nome do possível, não desistir do melhor. Cada país precisa encontrar aquelas fórmulas que melhor se adequem às suas necessidades e às suas tradições culturais. A adoção de qualquer das mais de 70 fórmulas referidas acima não daria certo em nenhum país do mundo, se ela fosse realizada por mera convicção de que ela é a melhor ou a possível. Na verdade, as reformas políticas nunca têm fim. Trata-se de um processo de transformação. Por este motivo, mesmo que se faça apenas o possível neste momento, não se pode deixar de buscar o melhor adiante.

Concordo contigo, quando afirmas que temos muitos pontos em comum em nossas opiniões. Novas divergências estão muito mais na forma de combinar os sistemas eleitorais do que na concepção da reforma.

Certo de que estas empenhado em realizar a melhor reforma política capaz de ser adotada no Brasil hoje, agradeço mais uma vez a atenção para comigo e para com o Sul21 e coloco-me à disposição para colaborar com o teu trabalho.

Com um abraço,

Benedito Tadeu César

Cientista político, professor universitário e consultor político


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