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14 de janeiro de 2016
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10:35

Travamos o golpe, mas a luta continua

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Sul 21
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Travamos o golpe, mas a luta continua
Travamos o golpe, mas a luta continua

Por Antônio Escosteguy Castro

Voltando de curtas mas merecidas férias, impõe-se fazer aqui no Sul21 uma retrospectiva de como foi o ano político de 2015, no Brasil e no Rio Grande, bem como alguma projeção sobre as possibilidades do ano que se inicia. Embora muito já se tenha escrito sobre tais temas nestes dias, há alguma vantagem em esperar um tempo e pronunciar-se após certa reflexão… Nesta semana, enfrento a conjuntura nacional e semana que vem, nossos pagos gaúchos.

O ano de 2015 começou com a posse de Dilma, reeleita por margem muito estreita, após uma épica batalha eleitoral no segundo turno, onde venceu pela imensa mobilização social do movimento sindical e popular e de uma “coalizão do arco-íris”, composta pelos jovens, pelos gays, pelas feministas e por todos os setores da sociedade assustados com a perspectiva de regressão com a vitória de Aécio.

Pressionada, porém, por uma crise econômica de raízes internacionais, mas agravada pelo descontrole fiscal interno, Dilma opta por um programa de ajuste e austeridade. O Ministro da Fazenda escolhido é um sinal ao mercado, mas não dispõe de luz ou força próprias. É o sub-do-sub-do-sub do mercado financeiro. O centro do ajuste é o corte do gasto público com os “de baixo” . As primeiras medidas anunciadas atingem o seguro-desemprego…

O Governo também começou errando na política. A estratégia de enfraquecer o PMDB e derrotar Eduardo Cunha fracassa e joga boa parte daquele que deveria ser o principal partido parceiro da coalizão governista nos braços da Oposição e põe na Presidência da Câmara um inimigo jurado do PT.

E então explode a Operação Lava-jato. Uma mega investigação da corrupção na Petrobrás, que deveria limpar a política brasileira mas que vem sendo direcionada e administrada seletivamente como um ataque ao PT, com vazamentos, prisões e operações policiais cuidadosamente planejadas para atingir o governo e seu principal partido, desprezando e se omitindo sobre qualquer outro rumo que eventualmente surja.

A partir daí, todo o ano de 2015 será marcado pelas tentativas da Oposição de derrubar o governo Dilma , com amplo apoio e ação militante da grande mídia, que nesse ano bateu todos os recordes de manipulações, distorções, invenções, calúnias, injúrias e difamações. Nossa grade imprensa envergonha o Brasil no mundo.

Primeiro foi a tentativa de reviver as grandes passeatas de junho de 2013, com diversos atos públicos que foram se sucedendo a partir de uma primeira e expressiva manifestação em 15 de março. A Oposição, porém, nunca se apropriou diretamente destes atos, que foram terceirizados para pequenos grupos de jovens da classe média radicalizada. No início, foi farto o financiamento de alguns grupos empresariais , eis que a convocação de manifestações pelas redes sociais, ao contrário do que se pensa, é muito cara, exigindo robôs para o Twitter e grossos pagamentos ao Facebook, mas aos poucos o dinheiro foi rareando e os atos foram se enfraquecendo e o derradeiro ato de 13 de dezembro foi um fiasco.

Depois veio o impeachment. Brandido como ameaça desde o primeiro semestre, ganhou fôlego com a rejeição das contas de Dilma pelo TCU, sob a batuta de um suspeito e investigado Augusto Nardes, condenando pedaladas fiscais idênticas as que sempre foram feitas por todos os presidentes e governadores. Ao ser assumido e acatado por um Eduardo Cunha agora também sob investigação e ataque , o impeachment ganhou as manchetes da imprensa , mas foi perdendo força. Ao final do ano, após histórica decisão do STF que colocou-o sob perspectiva jurídica, parecia longe de triunfar.

Na verdade, embora o ajuste fiscal de Dilma tenha aprofundado a crise econômica e tornado seu governo muito impopular, a intensidade do ataque golpista detonou um processo de reação social bastante salutar e, ao fim, eficaz.

O movimento sindical e popular, embora sempre postulando a modificação da política econômica recessiva, voltou a sair às ruas em defesa do governo e contra o impeachment. As manifestações foram crescendo em intensidade e qualidade e no final do ano já eram bem maiores e mais expressivas do que os atos pró-golpe.

A intelectualidade, os juristas e boa parte da sociedade civil, incluindo a Igreja e centenas de artistas, igualmente se somaram na luta contra o impeachment. O debate superou o pró-Dilma e anti-Dilma, e o respeito às instituições democráticas terminou por mobilizar amplos setores. Ser ruim ou impopular não pode ser o motivo para derrubar um governo constitucionalmente eleito, dirigido por uma Presidenta sobre a qual não paira nenhuma acusação.

O Governo também fez sua parte. Reorganizou-se, melhorando a interlocução com os atores políticos, reaproximou-se dos movimentos sociais, mobilizou uma retaguarda jurídica e política que combateu ferozmente os fundamentos invocados para o impeachment.No fim do ano, a “operação patrola” da Oposição, com ajuda de partes do PMDB, que encantara até o vice-presidente da República, fazia água.

No balanço final do ano, a sociedade brasileira travou o golpe. As instituições democráticas e republicanas resistiram e a própria Presidenta Dilma encerrou o ano com uma pequena, mas perceptível, melhora em sua popularidade. 2015 foi o ano que não precisava ter existido.

2016 começa de forma muito parecida com 2015. O Governo ganhou, mas por pouco. Novamente , uma intensa mobilização social, ampla e plural, veio em sua defesa. O golpe foi travado, mas não derrotado. A crise econômica continua grave e marca a cena política. O Ministro da Fazenda foi trocado, para se esforçar na retomada do crescimento, mas estreou atacando a base do governo que foi às ruas, defendendo uma reforma trabalhista e previdenciária. Não foi um bom augúrio.

A Operação Lava-jato continua e nada parece fazê-la mais imparcial. O impeachment ainda não foi votado e Gilmar Mendes, no TSE, ameaça a chapa governante com a cassação. Estamos longe de um cenário estável.

As eleições municipais darão o tom geral da política no ano e estas são influenciadas, sim, pelo cenário nacional, mas guardam ampla autonomia local. E serão as primeiras eleições brasileiras sem financiamento empresarial, gerando um ineditismo e uma imprevisibilidade nunca antes vistos na história da República.

Alem disto, duas outras variáveis terão fundamental influência sobre o ano político. A primeira é o comportamento do empresariado. É um grande dilema saber se o afastamento da Presidenta ajuda a superar ou a aprofundar a crise econômica. A FIESP apoiou o impeachment, mas a poderosa ANFAVEA, da indústria automobilística , condenou o processo. Além da legitimidade política, o golpe é caro e demanda muitos recursos. Já teremos um trailer na convocação deste novo ato de 13 de março próximo.

Mas a variável essencial a considerar, a meu ver, é o comportamento do Governo Dilma e do PT. Tendo encerrado 2015 com o travamento do golpe, o Governo deve aprofundar os esforços para retomar o crescimento econômico, repartindo melhor o custo do ajuste entre as classes sociais. É fundamental um curso de ações que seja percebido pela base social trabalhadora como a seu favor . Não precisa nem ser uma “ guinada à esquerda” como pedem alguns, mas pelo menos uma correção de rota neste rumo. A piora das condições de vida do povo asfalta o caminho da queda.

E o PT há de pontear o processo de esquerdização do governo, ao mesmo tempo que aprofunda o movimento de ampliação social que começou no ano de 2015. Uma grande frente de esquerda e popular é o melhor caminho para assegurar não só a continuidade das políticas sociais como da própria Democracia. Isto é, inclusive, uma tendência internacional, como se vê em Portugal e na Espanha. A velha arrogância petista é o atalho para o desastre.

Em 2016, ninguém morrerá de tédio no Brasil.

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Antônio Escosteguy Castro é advogado.


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