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25 de março de 2017
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10:00

Por que ignoramos o jovem negro morto em janeiro diante do mesmo Palácio Piratini?

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Sul 21
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Por André Pereira

O alarde midiático sobre o assassinato ocorrido na Praça da Matriz, na tarde de ontem, justifica-se, talvez, porque aconteceu de dia, por volta das 17h15.

Também envolveu o barulho de tiros que soaram acima das buzinas, provocando a correria de seguranças da Assembleia Legislativa para o local.

A execução sumária deu-se no entorno simbólico dos poderes, do Piratini, da Catedral Metropolitana, do Parlamento, do Tribunal de Justiça e do Teatro São Pedro. E isto, como pregam os manuais de jornalismo, é uma notícia diferenciada, no “beiral do sensacionalismo que vende jornais”.

Conquistou até chamada ilustrada de capa do Correio do Povo e  o alto da primeira página de Zero Hora.

O diário da Rede Record sentenciou em manchete, sobre uma fotografia de PMs e civis na praça em volta do corpo:

“Homem é executado às portas do Piratini”

Mais lacônico, sem ilustrar o assunto, nem referenciar a sede governamental, o matinal da RBS lascou:.

“Morador de rua é morto na Praça da Matriz, coração da capital”

As informações publicadas são praticamente completas, identidade e antecedentes da vítima, seu envolvimento com drogas, a descrição do ataque com cinco tiros, dentro da barraca onde dormia.

Só que não foi a primeira vez, neste ano, como a mídia e a nossa memória tentam nos enganar.

No último dia 6 de janeiro, cerca de dois meses e meio atrás, houve outra morte violenta exatamente na mesma praça fronteira ao Palácio Piratini.

Esquecemos porque mesmo?

Porque este outro crime foi de madrugada?

Porque houve facadas silenciosas, que só arrancaram gritos de horror da vítima?

Ou porque o jovem morto era negro, provavelmente africano, destes refugiados ou imigrantes que perambulam por nossas ruas sem um destino certo?

Ou não lembramos simplesmente porque nossos jornalões impressos e nossas emissoras de TV não deram a menor repercussão aos noticiosos de rádio daquele fim de semana?

Nenhum registro nas pesquisas feitas naqueles dias. Muito menos alguma imagem.

Nada também foi informado depois sobre o andamento das investigações – se é que foram feitas.

Não se conhece o desfecho do caso.

Seus familiares, em país distante, foram avisados?

Ou seu corpo foi sepultado como indigente, aqui, numa vala rasa ?

Foi apenas outra mera estatística da violência da criminalidade crescente que debocha do governo e da indiferença da sociedade, tão anestesiada como a mídia diante da barbárie de vidas humanas perdidas.

.oOo.

André Pereira é jornalista.


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