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26 de novembro de 2016
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09:00

A autópsia da imprensa gaudéria (Alô, alô, Comissão de Ética dos jornalistas)

Por
Sul 21
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paulo-ferreiraPor André Pereira

Retorno, com obrigatoriedade democrática e solidariedade cívica, a um tema que já me custou ofensas nas redes sociais, como a pecha de defensor de ladrão e similares, partindo especialmente de “colegas” de profissão, vassalos e sabujos dos senhores de engenhos midiáticos. Não me maculam a consciência, portanto, sigam ladrando.

Primeiramente, digo que deletei todas as montagens fotográficos em que Gerdau e Sirotsky apareciam nos lugares de Sergio Cabral na capa da Veja e de Garotinho na ambulância rumo ao presídio de Bangu. São imagens deprimentes do golpe continuado em prática no Brasil que naturaliza todos os desrespeitos às conquistas constitucionais.

Definitivamente, não sou parceiro nestas postagens.

Mas é cruel a insistência da rede de comunicação gaudéria indiciada na Operação Zelotes, em acusar um ex- deputado federal e ex-tesoureiro do PT, penalizado com a privação total da liberdade, por suspeitas de envolvimento em caixa 2 e corrupção, suscitadas nos famosos e vultosos prêmios para delatores (entre os quais, alguns alcaguetes já estão em casa, leves e soltos).

Sem julgamento nem condenação, o gaúcho Paulo Ferreira está preso há cinco meses, desde que entregou-se em junho, com direito de visita limitado somente aos seus descendentes, ou seja, ao casal de filhos maiores de idade, que se desloca de Porto Alegre ao centro penal de Tremembé, a 150 quilômetros da capital paulista, sempre que pode.

Sem outros apoios afetivos para diminuir o padecimento solitário e ferreamente encarcerado, cabe a Paulo Ferreira provar que é inocente.

Usada em muitos outros açodados casos de prisões e conduções coercitivas televisadas com o brilho dos holofotes, a clara inversão dos conceitos jurídicos, dos direitos sociais e das garantias democráticas estampa um estado de exceção escamoteado, que se ampara no compartilhamento de interesses escusos de parte do executivo, do legislativo e do judiciário, devidamente bajulados por certos empresários.

A recorrente perseguição pessoal a Ferreira evidencia, no fundo, a criminalização do PT.

Este revanchismo partidário contra a esquerda que o patrão odeia, disfarçado em jornalismo imparcial, mas que adula excelências tucanas inalcançadas pelo judiciário de plumagem colorida, também sintoniza com o imaginário de intolerância que, por óbvio, não se limita ao espaço de um coluna de jornal que publica, com escárnio, uma antiga foto posada do acusado, para noticiar, com toque de sarcástica coluna social, a mudança do endereço da prisão, sem avançar no conteúdo processual.

Na mesma empresa, no final de agosto, um comunicador de uma rádio da rede clamou pelo claro justiçamento de colegas de profissão, integrantes de organizações que defendem os direitos humanos, membros de instituições públicas e o próprio governador.

O tipo, locutor de um dos programas de maior audiência de rádio do Grupo RBS, exortou, com naturalidade ecoada pelas ondas poderosas da concessão radiofônica pública, a pregação bárbara: que jornalistas e formadores de opinião que criticam excessos da Brigada Militar, filhos e parentes de políticos e governantes sejam as próximas vítimas da violência que assola o Rio Grande do Sul, “que sejam eles a sangrar e a deixar suas famílias enterradas”.

Acusou deputados de “defender bandidos publicamente com o interesse velado de perpetuação no poder”; “estão advogando para miseráveis e ignorantes que são maioria neste país e que neles vão seguir votando”.

“Não é possível que jornalistas ou formadores de opinião sigam em seus espacinhos públicos batendo na Brigada Militar, na Polícia, em suas práticas de defesa da sociedade, denegrindo e manchando a imagem da instituição. Tenho mais do que vergonha destas pessoas, tenho nojo destas pessoas, gente que eu adoraria citar o nome, colegas de profissão que trabalham ali no morro do lado, trabalham aqui, um pouquinho acima, mas não dá, infelizmente. Para mim, que gente assim sejam as próximas vítimas, que sejam eles a sangrar e deixar suas famílias enterradas”.

Os “ideais marxistas” estariam “entranhados nas faculdades de Direito e Jornalismo, nos poderes, especialmente Legislativo e Judiciário” e, entre outros problemas, “não permitem que a polícia mate…”.

O funcionário de Duda Sirotsky Melzer também chamou o governador Sartori de “figura patética” e defendeu que as próximas vítimas de violência sejam filhos e parentes dos atuais governantes: “eu quero que sejam amigos, parentes e familiares destes que estão patrocinando o massacre urbano lá de dentro de seus gabinetes, com segurança particular na porta”.

Bradou com a santa ira midiática : “Que sejam vocês as próximas vítimas, seus parentes, seus filhos, seus pais, suas mães”.

Antes, o mesmo sujeito já havia promovido outra incitação ao crime, prevista no Código Penal, estimulando os ouvintes a “cuspirem” na cara do ex-presidente Lula.

“Ninguém cospe no Lula, velho? Que troço desesperador, isso é desesperador. Ninguém dá uma cuspida no Lula, um sujeito desses é digno de uma cusparada”.

Silente como a Comissão de Ética dos jornalistas, omite-se a firma empregadora perante a opinião pública, às instituições açoitadas e os órgãos das categorias profissionais de jornalistas e radialistas que pediram explicações para a reincidência criminosa, explica porque, há pouco dias, dentro das suas dependências de trabalho, um funcionário de um dos impressos do grupo sentiu-se protegido pela impunidade funcional para intimidar um colega com inaceitável ameaça,  “vou te jogar no Arroio Dilúvio”, por causa da divergência política e sindical.

Na crise brasileira condimentada por um processo golpista, persistente na contra reforma que ataca os mais pobres e diminui a soberania do país, a autopsia da mídia mostra, tristemente, uma prática jornalística cada vez adoentada, em estado terminal, que repousa no pelego macio da parcialidade, aos pés dos ocupantes da casa grande, em cujas sacadas posta-se, juntando as migalhas da festança neoliberal.

.oOo.

André Pereira é jornalista.


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