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27 de setembro de 2017
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15:00

Exército nas favelas: o roteiro é sempre o mesmo

Por
Sul 21
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Exército nas favelas: o roteiro é sempre o mesmo
Exército nas favelas: o roteiro é sempre o mesmo
Mudam os nomes e as lideranças, mas o problema é sempre o mesmo. E os fracassos colhidos com cada tentativa de resolvê-lo pela via repressiva, também. (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Samir Oliveira

O Brasil parece estar condenado a não aprender com seus erros. A repetir soluções equivocadas para problemas crônicos.

Nos últimos dias, vimos novamente a cena grotesca de uma favela sendo invadida por tanques do Exército. Mais de mil soldados se mobilizaram numa operação de guerra. Uma ocupação militar que só seria mesmo possível em territórios onde o povo já não tem direitos. Onde o Estado de exceção é o próprio Estado.

A intervenção militar que muitos desejam acontece todo dia para quem é negro e pobre no Brasil.

As escolas da Rocinha tiveram que fechar as portas para que as crianças não ficassem no meio do fogo cruzado. Alunos de um cursinho popular não puderam prestar vestibular. Ficaram presos no cerco militar.

O pretexto para a ação é a guerra do tráfico, com diferentes facções em disputa sangrenta por território. O Rogério 157 aparentemente entrou em guerra contra um ex-sócio. Mudam os nomes e as lideranças, mas o problema é sempre o mesmo. E os fracassos colhidos com cada tentativa de resolvê-lo pela via repressiva, também.

Muitos fatores podem ser elencados para explicar essa situação. Vou me ater a três, especificamente: a falência das UPPs, o fracasso da lógica de guerra às drogas e uma política de segurança militarizada voltada à repressão.

As Unidades de Polícia Pacificadora foram apresentadas como a salvação para as comunidades mais pobres. Rapidamente se demonstraram uma falácia. Uma medida cosmética destinada a controlar territórios próximos a centros turísticos e a locais envolvidos na recepção de megaeventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

A lógica da guerra às drogas fracassou no mundo inteiro. Até mesmo setores conservadores estão percebendo a ruína deste sistema e se deslocando para uma agenda mais progressista em relação à política de drogas. O Uruguai deu um salto gigantesco ao aprovar a legalização da maconha e regulamentar pelo Estado sua produção e consumo.

Mas no Brasil as mudanças – quando ocorrem – são sempre paquidérmicas. Lentas e graduais. De preferência, através de grandes acordos onde nada efetivamente muda.

Assim Fernando Henrique Cardoso governou o país por oito anos para passar a defender a legalização da maconha apenas depois de deixar o cargo. Assim o PT governou o país por 13 anos sem mobilizar sua base social para esta mudança de paradigma.

A guerra às drogas se transformou em uma guerra aos pobres. Por um lado, há uma perseguição implacável ao varejo do tráfico, afinal este se localiza em territórios onde é possível uma ação brutal das forças de segurança. E a figura de um jovem negro descalço portando um fuzil no morro é vendida com facilidade como sendo o verdadeiro inimigo a ser combatido.

Por outro lado, os grandes traficantes permanecem intactos. E assim um helicóptero com quase meia tonelada de cocaína ligado à família de um senador fica por isso mesmo. Afinal a lógica está voltada para o combate ao inimigo nos morros, não nos espaços de poder.

A própria lei de drogas brasileira reflete isso. Descriminaliza-se o usuário, mas não se estabelecem critérios objetivos para que o sujeito flagrado com drogas seja enquadrado como usuário ou traficante.

Quem define estes critérios são os agentes das forças policiais, sancionados por operadores da Justiça. Na prática, um sujeito pobre e negro encontrado em uma favela com cinco gramas de maconha é considerado traficante – sujeito a uma pena duríssima e a reclusão. Já um jovem branco de classe média com uma quantidade superior de drogas pode apenas levar um pito do juiz.

Enquanto este modelo não mudar, seguiremos assistindo ao mesmo roteiro: gangues do varejo do tráfico entram em disputa, a polícia não consegue combater as facções sozinha e o Exército entra com tudo, transformando comunidades em ocupações militares.

Não existem vencedores neste roteiro. E quem mais perde sempre são os moradores, que ficam no fogo cruzado. São vítimas das mais primitivas violações, com agentes invadindo suas casas, revirando seus pertentes e espalhando um clima de terror nas comunidades.

Como disse o escritor Geovani Martins, morador da Rocinha: “O Exército serve para tudo, menos para proteger quem vive na Rocinha”.

O roteiro da não-resposta ao problema também envolve a mídia. Especialmente a televisão, que monta um circo com as imagens dos tanques subindo o morro. Uma parte da população vibra com este espetáculo. O tribunal do júri instalado nas redes sociais é rápido em dar a sentença: bandido bom é bandido morto.

Essas incursões repressivas sobre as comunidades apenas afugentam os grupos criminosos, que se reorganizam. Rapidamente outras lideranças tomam o posto de antigos chefes. E a roda do varejo do tráfico volta a girar com tudo. Longe das câmeras de TV e dos blindados militares.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) mostrou como esta lógica opera com a CPI das Milícias. A CPI das Armas  também colocou o dedo na ferida. As soluções apresentadas atacam os problemas pela raiz. Mas quem disse que isso interessa às castas políticas e econômicas que ditam as regras?

O Brasil parece estar condenado a não aprender com seus erros porque na verdade os encara como acertos. Porque a criminalização da pobreza enriquece muita gente.

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Samir Oliveira é jornalista e militante da Setorial LGBT do PSOL/RS.

 


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