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5 de setembro de 2016
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14:41

O que sobrou para as eleições municipais? (por Céli Pinto)

Por
Sul 21
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Céli PintoDa Redação

Nesta segunda-feira (5), o Sul21 promove a estreia de Céli Pinto como sua nova colunista. Céli é Cientista Política, Doutora em Ciência Política pela Universidade de Essex –Inglaterra, Licenciada e Bacharel em História UFRGS (1972/1973), além de professora da mesma universidade. Publicou livros e artigos no Brasil e no exterior sobre os espaços públicos e a participação política da mulher no Brasil, além de trabalhos e livros de análise do discurso político brasileiro.

Em sua primeira coluna, ela escreve sobre a dificuldade e a necessidade de dar foco às eleições municipais.

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O que sobrou para as eleições municipais?

Por Céli Pinto

O Brasil viveu nos últimos dois anos um avassalador processo de destruição de sua vida política, transformada em golpes e contra golpes que desrespeitaram eleições, apequenaram os partidos e mostraram o que há de mais sórdido na vida política brasileira, quer pelos escândalos de corrupção, quer pela forma parcial e pouco republicana que a partir de um certo momento passaram a ser investigados.

Enganam-se aqueles que se entusiasmaram com as ruas pensando que finalmente o povo brasileiro estava se envolvendo com a política. O que aconteceu foi exatamente o inverso. A política foi deixada de lado, o embate ideológico, o embate das propostas políticas, das visões de mundo, a arte do convencimento foram substituídos por palavras de ordem de pouca densidade, palavrões , ofensas racistas e sexistas. Chegou ao ponto de a maior e mais importante federação das indústria do país comprar um grande pato amarelo de plástico e colocá-lo na frente de sua sede para distrair a classe média a burguesia paulista, enquanto tramava, nos porões, com a grande mídia e com a banca internacional.

Ao mesmo tempo, grupos dentro do poder Legislativo negociavam votos com deputados e senadores de forma aberta e deplorável. O Procurador Geral da República pendulava de acordo com entendimentos variados e pouco transparentes da crise política,. O Supremo Tribunal Federal literalmente se omitiu, esconderam-se dentro de suas togas medievais e, quando delas saíram, foi para dar guarida ao golpe em nome de um formalismo garantidor da democracia, que não resiste a um curso de Introdução à Ciência Política para uma turma de maternal.

Este quadro provocou efeitos gravíssimos para o Brasil, entre eles a deposição da Presidenta Dilma e o governo de um Vice-presidente sem nenhum representação popular, com um ministério política e tecnicamente abaixo de qualquer razoabilidade.

Não forma escândalos de corrupção ou a falta de habilidade política da Presidenta Dilma (argumento muito usado por homens mesmo da esquerda que diziam “mas também aquela mulher…”), ou mesmo a crise econômica que nos levaram a situação que nos encontramos.

Dilma e o PT foram apeados do governo não por seus defeitos ( e os têm), mas por suas qualidades. O golpe não foi contra um governo, foi contra uma mudança real na composição das forças sociais no Brasil, decorrentes dos governos populares do PT. Foi uma mudança pequena na verdade, muito menor das que foram sonhadas por décadas. Mas foram suficientes para ameaçarem os privilégios seculares que se reproduzem no Brasil e continuam incólumes, não foram abalados ou pela abolição da escravatura no século 19, ou pela industrialização e urbanização do século 20.

Os governos populares liderados pelo PT não resolveram estes problemas , até porque não tiveram força ou vontade política para enfrentar o sistema financeiro, o sistema tributário, a precarização da educação fundamental e média, o sistema político corrupto e incapaz de responder minimamente aos princípios democráticos da representação. Mas por outro lado, jogaram um facho de luz sobre estas questões e isto foi o suficiente para que as forças conservadoras reagissem, construíssem novas alianças e não tivessem nenhum pudor em rasgar a constituição, liderando um golpe parlamentar-mediático , tendo como coadjuvantes uma importante parcela classe média que, muitas vezes com nível superior, é intelectualmente pouco cultivada e politicamente muito primitiva.

Na ressaca do golpe temos de enfrentar as eleições municipais e se os partidos de esquerda se iludirem que podem vencer as eleições falando das cidades como elas se localizassem em Marte, estarão compactuando com o golpe de 31 de agosto. Estas eleições acorrerão menos de depois meses após a deposição da presidenta Dilma e se isto não for denunciado exaustivamente durante a campanha eleitoral, se as consequências de um governo dominado por uma direita conservadora, corrupta, machista, homofóbica, pronta para acabar com os direitos sociais , com os recursos para educação não forem expressado em alto e bom som, seremos cúmplices do golpe, mesmo que não admitamos!!

Temos uma campanha eleitoral que garante espaço na mídia, temos uma mulher que se agigantou na hora que os covardes fogem. É hora de retomar a luta, inspiradas em uma mulher que enfrentou seus algozes ,pela segunda vez na vida, por 15 horas. Que nunca baixou a cabeça. Cabe a nós não nos rebaixarmos nesta eleição municipal, fazendo de conta que tudo está dentro da normalidade. Se não reagirmos o povo brasileiro continuará a ser pautado pela grande mídia, por políticos travestidos de pastores e baterão palma para aqueles que lhes farão voltar à miséria!


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