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15 de dezembro de 2012
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08:02

O mundo hoje é muito perigoso para quem não tem utopia

Por
Sul 21
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O mundo hoje é muito perigoso para quem não tem utopia
O mundo hoje é muito perigoso para quem não tem utopia

Esta frase do visionário arquiteto Buckminster Fuller sempre retorna para mim nos momentos de reflexão sobre a realidade contemporânea e suas contradições. Assim foi no evento “Conversando na Cozinha – Encontro de Coletivos” , promovido pelo coletivo de arte “Belos 70”, em Curitiba, na Galeria Subsolo, do qual tive a oportunidade de participar. A proposta era de um resgate das relações pessoais e da ação estética em uma confraternização para troca de ideias entre indivíduos e grupos atuantes no campo artístico. Foram discutidos temas como as perspectivas do artista no mundo de hoje e o panorama em que atuam os coletivos de arte em Curitiba. A intenção do “Belos 70” é fundamentalmente provocar a experiência estética relacionada à memória afetiva do cotidiano, conversando em torno de uma mesa e conectando essa prática simbólica com a realidade contemporânea. Um café gostoso e pães caseiros acompanharam as discussões que se deram de forma aberta, democrática e horizontal. Muitos pontos de vista e experiências foram apresentados – possivelmente sem modificar em nada o campo artístico,- mas renovando as energias criativas e os ideais utópicos da maioria dos que ali estavam presentes. Se o nome “Belos 70” pode parecer para alguns um saudosismo passadista, suas discussões apontam para muitas novas e diferentes posturas críticas que, recuperando os ideais utópicos das vanguardas modernistas, buscam novos posicionamentos no mundo do século XXI.

 

O que são os coletivos de arte? Em princípio, são grupos de artistas que atuam de forma integrada para realizar seus projetos, compartilhando decisões e orientações de ação de forma não hierárquica. Não produzem necessariamente trabalhos artísticos em conjunto, mas desenvolvem ações de colaboração criativa. Em sua maioria são constituídos de jovens que se inauguram na arte, que encontram nas atividades conjuntas formas de afirmação, e que são flexíveis e ágeis e com capacidade de improvisação frente a situações novas. Esses grupos nascem de relações interpessoais afetivas e da necessidade de trabalhar e pensar juntos para vencer desafios, e proliferam de maneira espantosa no Brasil e no mundo nas últimas décadas.

Sem buscar uma origem histórica, pode-se dizer que eles constituem um fenômeno típico da arte contemporânea. Os coletivos talvez respondam à necessidade de unir e compartilhar esforços para responder aos desafios do mundo artístico atual com flexibilidade e estratégias produtivas inovadoras. Se a crise pode significar oportunidade de mudança, de transformação, de crescimento, os coletivos podem ser um tipo de resposta à exacerbação do individualismo no capitalismo neoliberal.

Paralelamente ao movimento de formação de coletivos, outro fenômeno se delineia, embora não necessariamente a ele articulado: são as propostas de práticas artísticas colaborativas. Promovidas por coletivos ou por artistas individualmente, estas práticas envolvem aspectos cotidianos e relacionais, com base em um pensamento crítico sobre o modo de produção capitalista e o circuito tradicional da arte. Nestas práticas se dilui a noção de autoria sob a forma de uma relação dialética entre indivíduos e coletividades. São ações desenvolvidas por artistas que desejam atuar fora dos espaços existentes no circuito – museus, centros culturais e galerias comerciais. Questionando as limitações conceituais e políticas desses espaços, promovem situações de confluência entre reflexão e produção artística. Os artistas saem de seus ateliês de trabalho para compartilhar experiências estéticas e criativas com diferentes públicos. Conhecidas sob diferentes nomenclaturas – arte engajada, estética relacional, social practices, arte ativista, estética dialógica, arte comunitária , estética dialógica, entre outros –, essas práticas se inserem em lógicas de partilhar experiências sensíveis.

O mundo vem enfrentando crises que se alastram por diversos setores, provocando inseguranças e dúvidas generalizadas na economia, na política, na ética, no meio ambiente, provocadas em sua quase totalidade pelos efeitos nefastos do capitalismo neoliberal. Neste momento, alguns artistas se dedicam ao cultivo de utopias, pontuando a necessidade de maior atuação na realidade, utilizando a arte como instrumento transformador do mundo e dos indivíduos. Eles questionam o papel do artista enquanto produtor de artefatos de luxo, buscando expandir suas atividades para diferentes âmbitos e espaços.

Vem de encontro a essas minhas considerações o evento “ O que restou do Paraíso? As utopias sociais e artísticas” que se realiza na UFRGS nos dias 14 e 15 de dezembro.

Outro evento na linha da criação coletiva se realiza em Porto Alegre nos dias 14, 15 e 16 de dezembro, o “1Laboratório de Criação Coletiva”, envolvendo 30 artistas de artes visuais, música e audiovisual. Uma experiência de imersão de artistas, produzindo em 48h de modo coletivo, transversal e multidisciplinar. O trabalho ocorre na Usina do Gasômetro e pode ser acompanhado online no site http://colabpoa.com.br/.

Propostas artísticas podem gerar verdadeiras mudanças nas pessoas e no mundo? Não há possibilidade de antever os limites e as contradições destas práticas senão no desenrolar de seus processos, entretanto já é possível perceber interessantes e criativas experiências em desenvolvimento. Vale a pena ficar atento, afinal, se a arte nos faz mais humanos, as utopias nos fazem mais confiantes, criativos e ousados.


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