Colunas
|
3 de agosto de 2012
|
08:59

Mudou a política econômica, mas falta crescimento

Por
Sul 21
[email protected]

Fora dos holofotes após a sua segunda queda, quase não lembramos a mão aziaga de Antônio Palocci conduzindo a política econômica do país nos tempos em que foi ministro de Lula. A imagem que criara de “amigo dos mercados” em razão da privatização de serviços públicos que realizara como prefeito no interior de São Paulo construiu um bom relacionamento seu com o meio empresarial. Essa figura do médico e político foi fundamental para o equilíbrio das forças sociais e políticas que viabilizaram o primeiro governo do nosso metalúrgico presidente, uma composição política atribuída a José Dirceu e realizada por meio de negociações travadas em Washington, São Paulo e Brasília. Palocci na Fazenda, e em tandem com Meirelles no Banco Central, cumpriram a função de fiadores do apoio, ou da não oposição, da grande finança internacional e seu zeloso padrinho, o governo dos EUA, bem como da burguesia nativa liderada pelo sistema financeiro ao governo petista.

Em troca do continuísmo na macroeconomia das metas de inflação e da assim chamada responsabilidade fiscal, o ataque ao real empreendido como tática terrorista no período eleitoral para tentar desfazer o favoritismo de Lula foi suspenso. Desde a posse, o governo pode agir em meio a uma trégua e administrar o pouco de poder que lhe restava. E não se saiu mal, pois com migalhas de um orçamento consumido em sua metade pela voracidade do sistema financeiro sedento por juros, conseguiu dar um rumo e uma abrangência às políticas de promoção da inclusão social sem precedente em nosso país, notório nesse quesito por viver há décadas em permanente estado de mal-estar.

Diferentemente do período anterior, a continuidade da enorme transferência de renda do trabalho produtivo para a “pátria financeira” como chamam os argentinos, e que é proporcionada pelo Governo Federal ao arrecadar impostos e pagar juros de sua dívida, recebeu uma contribuição da sorte. O acelerado crescimento do mercado mundial desde a virada do século XXI até a crise americana, em especial a demanda chinesa por produtos agropecuários e minerais, eliminaram a pressão sobre a dívida pública externa, que acabou por ser quitada em sua quase totalidade. Isso ajudou a sustentar o crescimento econômico impulsionado pelo mercado interno, proporcionando um fôlego maior ao gasto público e permitindo o lançamento do PAC.

Desde a primeira queda de Palocci em 2005 e, mais ainda, em razão das necessidades geradas pela crise de 2009, o governo foi mudando, sem muito alarde, as diretrizes da política econômica. Talvez mais importante que a ida de Guido Mantega para a Fazenda e seus acertos na condução da política fiscal, fazendo a necessária elevação do gasto para compensar a desaceleração do PIB e do emprego ainda na gestão Lula, tenha sido a decisão da presidenta Dilma em 2011 de colocar Alexandre Tombini na direção do Banco Central, o que favoreceu desde então, uma maior sintonia entre as políticas monetária e fiscal.

Do final dos anos 80 até agora, não havia a presidência do banco Central estado nas mãos de alguém sem compromisso com o mercado financeiro. Essa recuperação da independência da política monetária pode inaugurar o ciclo de baixa da taxa de juros que já se estende há um ano e alcançou traze-la a um nível mais próximo dos valores de outros países “emergentes”. Esse, que é o preço mais importante da economia capitalista, na medida em que condiciona a taxa de lucro e o valor dos salários reais, definindo a distribuição da renda, deixou de ser fixado exclusivamente de acordo com a vontade da finança e passou a contribuir com os objetivos de crescimento e pleno emprego que a política econômica adotou além da preservação da estabilidade.

Se hoje se mostram mais conformados com a perda de sua influência sobre o governo, banqueiros e outros mercadores de dinheiro, assessorados por seus “economistas-chefes”, não deixaram de acusar o abandono das metas de inflação e da estabilidade e o retorno do “populismo” quando o atual ciclo começou em agosto de 2011. No entanto, para o outro lado da linha de separação dos interesses de classe na sociedade brasileira, se essa foi uma iniciativa alvissareira, ela é claramente insuficiente. Apenas conter a ganância dos rentistas não faz a economia funcionar bem e atender os desígnios da maioria da população. É preciso crescimento e elevação do poder aquisitivo dessa maioria ainda excluída. E para isso, o que foi feito até hoje, principalmente as políticas sociais e o aumento do gasto público, ajudam mas não são suficientes.

A classe média cresceu, o valor dos salários aumentou, há mais emprego, maior consumo e alguns investimentos em infraestrutura e em determinados setores da economia estão sendo feitos. Entretanto, além da crise mundial que deverá ter consequência negativa sobre as exportações e o ingresso de capital estrangeiro, há também problemas internos a serem enfrentados. E o mais importante deles é, sem dúvida, o baixo nível de crescimento da indústria nacional.

Mesmo sem se referir ao que Marx já havia descoberto sobre o papel essencial da manufatura no capitalismo, os economistas costumam aludir à obra de sir Nicholas Kaldor e suas conhecidas 3 leis que demonstram ser o crescimento da economia dependente da expansão da indústria. Para tirar a indústria brasileira da letargia em que se encontra será preciso, além da desvalorização do câmbio, já parcialmente realizada, ganhos de produtividade e avanço tecnológico para colocá-la em condições de fazer frente à concorrência mundial. E isso vai requerer uma elevação substancial do investimento e muita sabedoria para dirigi-lo aos ramos e setores que possam trazer os maiores efeitos para o conjunto da estrutura produtiva do país. É um grande desafio que exigirá muita coordenação entre governo e setor privado e o necessário engajamento dos trabalhadores.

Luiz Augusto E. Faria é economista da FEE e Professor da UFRGS.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora